É difícil concordar com um presidente que recebe torturador com honras no Palácio do Planalto, que minimiza uma doença que paralisou o mundo e matou mais de 90 mil pessoas só no Brasil e que, como se fosse acima do bem e do mal, promove aglomeração a despeito de todas as orientações médicas no sentido contrário, em meio à pandemia do coronavírus. Mas respiremos fundo. Que rufem os tambores. Desta vez, Bolsonaro tem razão.
O presidente da República está envolto em uma discussão que cresceu nos últimos dias: prorrogar ou não, até o fim do ano, o auxílio emergencial instituído para ajudar pessoas em dificuldade na pandemia? Parece justo diante da perda de renda de milhões de brasileiros que amargam os efeitos de restrições e do isolamento impostos pela covid-19. Assim como eu, você também deve conhecer pessoas que perderam o emprego, que encerraram sonhos e empreendimentos planejados por anos, ou que simplesmente choram por não ter como dar comida aos filhos nesses dias tenebrosos.
O caso do Brasil é ainda mais peculiar porque a pandemia exponenciou desigualdades impressas ao longo dos mais de 500 anos desde a chegada de europeus sedentos por riqueza arrancada a partir exploração de nossos índios.
Disse Bolsonaro, no último domingo:
- Alguns estão defendendo o auxílio indefinido. Esses mesmos que quebraram os estados deles, (...) defendendo agora o (auxílio) emergencial de forma permanente. Só que, por mês, são R$ 50 bilhões. Vão arrebentar com a economia do Brasil - vociferou.
De fato, a civilidade nunca foi adjetivo possível às manifestações do presidente. Mas é preciso dar crédito ao pensamento expresso pelo chefe do Executivo. Neste ponto, o presidente tem razão.
Conforme informou o jornal Folha de São Paulo, o custo mensal do pagamento do benefício (R$ 600) é de aproximadamente de R$ 50 bilhões. Sendo assim, a prorrogação com as mesmas regras até o final do ano de 2020 faria o custo total chegar a R$ 450 bilhões (quase cinco vezes o rombo de todo o governo em 2019, de R$ 95 bilhões).
Ainda não foi batido o martelo, é verdade. E conforme apontam os bastidores uma das opções prevê a prorrogação com pagamento de um valor abaixo do atual: R$ 200. Em tempo: desde a aprovação no Congresso, o benefício já teve cinco parcelas confirmadas de R$ 600, dos meses de abril a agosto. O tema inclui ainda a pressão por um programa mais amplo, chamado até aqui de Renda Brasil, a ser organizado e implementado pelo governo federal, também dependente de aprovação no Congresso.
Bolsonaro, que não é ingênuo, calcula não somente o impacto financeiro, mas também o crédito político da empreitada.
Enquanto a equipe econômica se debruça sobre os números e arrepia ao menor sinal possível de comprometimento do teto de gastos públicos, a preocupação com os mais vulneráveis segue sendo legítima, urgente e necessária. Contudo, não é esse o ponto que parece falar mais alto nas discussões em Brasília.
Ao que tudo indica, ganha corpo o argumento que considera a melhora nos índices de popularidade do presidente e seu governo, impulsionada nas comunidades mais pobres desde a instituição do pagamento do auxílio emergencial. É ano eleitoral, como se sabe. E a se considerar as últimas agendas presidenciais no Nordeste, Bolsonaro tem gostado de ser carregado (aos gritos de "fim da Lava-Jato) nos braços do povo.
Nada de novo no front se o populismo falar mais alto que o endividamento público. A única diferença é que, desta vez, o inquilino do Planalto se elegeu prometendo fazer justamente o contrário.