Gregorio Villanueva é um homem atraente e de inteligência aguçada, que trabalha como guia no Museu Nacional de Belas Artes em Buenos Aires. Há algo diferente nele: Goyo, como é chamado, não se encaixa nos padrões sociais, desafia aquilo que convencionamos chamar de “normal”.
Ele tem Síndrome de Asperger, uma espécie de “autismo brando”. Vive em um mundo próprio, com uma rotina regrada que se repete todos os dias, sem margem para imprevistos. Até descobrir que é capaz de se apaixonar de verdade. Aí tudo se transforma.
Este é o enredo de um filme argentino recém-lançado na Netflix, que leva o nome do protagonista. A produção está fazendo sucesso. Por quê? Talvez apenas por ser uma comédia romântica delicada e divertida. Ou, quem sabe, pela abordagem respeitosa e honesta de temas que, nos últimos anos, vêm ganhando cada vez mais espaço: diversidade e inclusão.
“Perdidos e defectuosos”
Não, não espere de mim uma crítica do filme. Essa tarefa eu deixo para o meu amigo Ticiano Osório, que senta aqui ao meu lado na redação de Zero Hora e que manja tudo do assunto. Eu quero falar de outra coisa.
Goyo, o “Asperger esquisitão” que tem doutorado, nutre obsessão por Van Gogh e vive em uma família culta e endinheirada da elite porteña, descobriu o amor, do mesmo jeito que qualquer um de nós. Afinal, ele não é tão diferente assim, é?
O sentimento veio na forma de uma mulher madura chamada Eva Morales, a nova segurança do museu. Ela é mãe de dois filhos, vive um relacionamento conturbado com o ex-marido, tem baixa autoestima e há tempo desistiu de acreditar que poderia voltar a viver um grande amor. “Normal”, alguém pode pensar aí.
Do encontro entre dois personagens opostos, surgem situações tão inesperadas quanto comoventes. A primeira interação (que termina em surto), o convite para jantar, o beijo, o sexo, a crise, a a reconciliação. Não vou mais dar spoiler. O roteiro já não interessa aqui.
Quando nós, pessoas consideradas “regulares”, vemos alguém com deficiência ou conhecemos um neurodivergente, o que pensamos? Muitos sentem pena. Outros nutrem preconceitos. E há os que compreendem e acolhem o diferente. Diferente? Será mesmo?
No filme, Goyo diz que “todos somos un poco defectuosos”, mas que Eva tem um problema mais grave: ela perdeu a fé em si mesma. É, portanto, “perdida e defectuosa”. Quem de nós não é assim também? Pensemos nisso.