Quis o destino que Rafael Guimaraens sentisse na pele, perplexo e surpreso, o que os personagens de sua obra (A enchente de 41) enfrentaram naquela cheia, até então a maior da história de Porto Alegre. Na catástrofe climática de maio de 2024, o escritor — cujo nome é cotado para patrono da Feira do Livro de Porto Alegre — também foi vítima.
Ilhados em casa, no bairro Menino Deus, ele e a companheira, Clô Barcellos, tiveram de deixar o prédio às pressas, com a água nos joelhos, levando o que podiam.
Depois, souberam que o depósito da editora Libretos, fundada pelo casal há 24 anos na Rua Voluntários da Pátria, estava submerso. Situada nas proximidades, a comporta 14 do sistema de contenção do Guaíba não segurou a fúria do Guaíba. A enxurrada invadiu tudo. Doze mil obras literárias foram perdidas, incluindo as cópias da crônica de 1941.
É impossível ler o relato, publicado pela primeira vez em 2008 e recheado de imagens de época, sem perceber (com algum assombro) semelhanças entre o passado e o presente.
— Tudo foi muito parecido, inclusive a cronologia da tragédia. Nunca imaginei que a gente fosse passar por isso — diz o autor.
Em meio ao evento extremo, a Libretos conseguiu mandar imprimir 500 novos exemplares da obra para suprir a demanda repentina, esgotando-se em duas semanas. O título ficou entre os 10 mais vendidos da Feira do Livro Solidária, do Instituto Ling. Outras 500 cópias foram encomendadas para esta semana, tamanho o interesse despertado.
Quis o destino que a história contada por Guimaraens virasse leitura obrigatória.
Cotado para patrono
O nome de Rafael Guimaraens tem aparecido — com justiça — nos círculos de conversa entre pessoas do meio editorial como possível patrono da 70ª Feira do Livro de Porto Alegre, que será especial em 2024.
Prevista para ocorrer entre 1º e 20 de novembro, a iniciativa levantará a bandeira da retomada do setor e marcará as sete décadas do evento, um dos mais tradicionais e queridos do RS.
Guimaraens planeja, inclusive, lançar um novo romance na feira. Chamado Barra 77, o livro contará a história de um grupo de amigos em 1977, em meio ao processo de redemocratização do país.
Sobre a possibilidade de se tornar patrono, ele diz que ficaria feliz com a decisão, mas defende a escolha de uma mulher para a função, já que os últimos ungidos foram homens.
— Equidade de gênero é algo importante — destaca o jornalista.
A decisão final é da Câmara Rio-Grandense do Livro.
Pergunto, por fim, se o autor pretende escrever um livro sobre a cheia de 2024. Guimaraens diz que, por enquanto, não:
— É muito cedo. As coisas ainda estão acontecendo.