Fotos de livros flutuando em uma água turva tornaram-se comuns no celular de quem trabalha em livrarias, sebos, editoras e distribuidoras de obras literárias em Porto Alegre. Isso no caso dos que já conseguiram acessar os espaços onde os exemplares ficam armazenados e puderam ter uma noção das perdas, como Gilmar Luis Wagner, da Viva Livros, situada no bairro Navegantes, a quatro quadras do Guaíba, onde a enchente invadiu causando destruição em mais da metade do estoque.
Com seis anos de atuação, a distribuidora no 4º Distrito representa selos focados no mercado escolar, como o catálogo infantil e juvenil da Companhia das Letras e de outras grandes editoras. Wagner estima que dos cerca de 120 mil livros guardados no depósito da Viva Livros, aproximadamente 70 mil ficaram imersos.
— O estrago é absurdo. O que foi possível subir eu consegui salvar, mas o que estava no chão, em pallets, não tinha o que fazer. O desafio será grande. Vamos precisar de incentivos e políticas públicas para que esse setor, que já era afetado pelas vendas na internet, consiga se reerguer — diz o livreiro, sem conseguir segurar o choro durante a conversa por telefone.
Há quem sequer tenha conseguido acessar o depósito de livros para conferir o estrago, como Clô Barcellos e Rafael Guimaraens, fundadores da Libretos, editora com 25 anos de atuação e das mais tradicionais de Porto Alegre. Diante das imagens devastadoras do que a água é capaz de fazer, eles imaginam que o galpão na Voluntários da Pátria tenha sido inundado pelos dois metros de lodo que cobriram a rua no lado de fora.
— Se dentro do depósito a água ficou na mesma altura do que na rua, nós perdemos, no mínimo, 12 mil livros (dos 15 mil lá armazenados). Perdemos o faturamento de um ano inteiro em dois dias de enchente – lamenta Clô.
O apelo para que o poder público crie programas que ajudem a desafogar o setor livreiro das dívidas que já são previstas é reforçado por Antônio Schimeneck, proprietário da Ama Livros, distribuidora e editora infantil e juvenil. No depósito no bairro Floresta, no 4º Distrito, havia em torno de 29 mil livros consignados de 47 editoras de todo o país. Quando a água começou a subir e os pedidos para evacuação aumentaram, não sobrou tempo para salvar cada um dos milhares de exemplares. Ele estima que em torno de 70% do estoque tenha sido alagado.
— O poder público terá que ser solidário nesse momento também com o setor livreiro, que já é abandonado. É um setor que não é reconhecido – diz.
Entre as livrarias de rua mais frequentadas de Porto Alegre justamente pela sua localização, no térreo da Casa de Cultura Mario Quintana, a Taverna foi atingida em cheio pela água lamacenta que paralisou a pulsante vida cultural na Rua dos Andradas. Os sócios Eder Lopes e André Günther já conseguiram fazer uma faxina na loja. A mobília, toda de MDF, ficou inchada e danificada. A maioria dos livros foi erguida e está a salvo. Mas uma tentativa de arrombamento, dias após a inundação, fez com que uma estante caísse na água, derrubando exemplares.
— Tudo isso causa uma sensação de impotência e de incerteza. Mas tem muitas pessoas nos incentivando, o que gera esperança. Vivemos sensações muito diferentes – diz Lopes.
Gráficas também ficaram embaixo d'água
Contratadas para a impressão dos livros, as gráficas tampouco foram poupadas. Segundo a regional gaúcha da Associação Brasileira da Industria Gráfica (Abigraf-RS), 25 unidades de Porto Alegre foram tomadas pela enchente, a maioria situada no Centro e no 4º Distrito, entre as regiões mais alagadas da cidade.
Com uma clientela formada por cerca de 30 editoras, a PrintStore, no bairro Floresta, estima que o estoque de papéis e o maquinário de impressão tenham sido engolidos pela água.
— Ainda não conseguimos calcular todos os danos, porque não conseguimos entrar na empresa. Nossa esperança é fazer a limpeza e a recuperação desse maquinário. Não podemos falar se os danos são menores ou maiores, mas não tivemos perda total — diz Eduardo Pelizzon, sócio-diretor da PrintStore.
Sócio da Zouk, editora que não sofreu qualquer alagamento, João Xavier não consegue fazer pedidos de impressão de novos livros justamente por causa das gráficas que não podem atuar. É um impacto que pode ser comparado a uma peça de dominó que cai e derruba todas as outras, uma por uma.
— As gráficas que a gente utiliza estão embaixo d'água. Não tem como imprimir livros nessas empresas, e os que estávamos imprimindo nesses locais provavelmente molharam. É um atraso em todo o processo. No fim das contas, todo mundo foi afetado – diz.
Campanha será lançada nesta segunda-feira
De cerca de cem empresas associadas à Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), 27 já relataram danos causados pela enchente, entre editoras e distribuidoras. Presidente da entidade, Maximiliano Ledur diz que já há uma mobilização nacional para articular auxílio ao setor:
— Não sei se todas essas empresas vão conseguir se reerguer. Já é um setor castigado com as transformações tecnológicas. Estamos em uma ação nacional, junto com Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel), Associação Nacional de Livrarias (ANL) e Câmara Brasileira do Livro (CBL), para arrecadar livros e fundos.
Uma campanha do Clube de Editores do Rio Grande do Sul será lançada nesta segunda-feira (20), estimulando a compra de livros publicados por editoras gaúchas à venda em livrarias do Estado.
— Não é uma campanha de financiamento coletivo e nem de Pix, mas de conscientização, pedindo que as pessoas comprem de editoras gaúchas e, de preferência, de livrarias daqui. Fazemos a ressalva de que as pessoas precisam se atentar para o prazo de envio, já que os correios só estão levando para fora de Porto Alegre Sedex e PAC, pelo menos durante esses próximos dias — diz João Xavier, presidente do Clube de Editores e editor da Zouk.