Passei os últimos dias caminhando pela região central de Porto Alegre, sem saber direito o que fazer, me sentindo inútil e quase sem acreditar no que meus olhos viam. Depois de mais de duas semanas cobrindo ruas, avenidas, prédios e casas, a água parda, podre e fedida finalmente deu sinais de recuo, deixando à mostra os estragos da enchente de 24 — será assim que lembraremos dela?
Nas calçadas do Menino Deus, meu bairro, vi cenas que jamais vou esquecer: móveis retorcidos, brinquedos quebrados, louças perdidas, colchões e sofás inutilizados, tudo jogado nas calçadas.
Não fui afetada (embora tenha saído de casa, quando o bairro foi evacuado), mas ao mesmo tempo fui: não há como passar incólume pela dor do outro. Não eram apenas “coisas” que estavam ali no bairro à espera dos caminhões da prefeitura. Eram as histórias das pessoas, cobertas de lama e de uma tristeza perceptível, quase concreta, encardida, presente — dava para sentir.
Não muito longe dali, no Centro Histórico, onde comecei a vida na Capital e morei por alguns anos, vi um exército de garis tentando varrer o barro endurecido no calçamento da Praça da Alfândega.
O cenário de tantas feiras do livro, dos jacarandás em flor, da arte e da cultura era agora um lugar diferente: ocre e marrom. Até as plantas dos canteiros estavam pintados de lodo. Resignados, os garis trabalhavam em silêncio. Ao longe, zumbia o som ininterrupto de geradores, motores e máquinas.
Li, em uma reportagem (já não lembro mais onde nem quando), o relato de alguém dizendo que “só queria Porto Alegre de volta”. Na enchente de 41, da qual todos ouvimos falar, deve ter sido assim também. Vai demorar, mas o nosso porto há de voltar a ser alegre outra vez.