Zora, nas línguas eslavas, quer dizer algo como aurora, amanhecer. Via, no eslovaco e no latim, é estrada. Passagem. O nome dela, único e incomum, significa “caminho do alvorecer”. Esta é Zoravia Bettiol, uma das artistas mais importantes nascidas neste solo que aprendemos a chamar de nosso.
No último final de semana, tive o privilégio de ser recebida por ela em sua casa-ateliê-instituto (assim mesmo, tudo junto), na zona sul de Porto Alegre. Na manhã de um sábado chuvoso, vi, pelas grades do portão de ferro, aquela mulher de olhar doce vindo em minha direção, com a sombrinha e a bengala em punho e um sorriso estampado no rosto (veja na foto).
Zoravia tem 88 anos. Nasceu na Rua Santa Cecília, na Capital, em 17 de dezembro de 1935. Ela vem de uma família multicultural: austríaca, sueca, italiana. Brasileira. Vive da arte há quase sete décadas.
Expôs suas criações em países como França, Suíça, Japão e Estados Unidos. Tem obras em alguns dos principais museus do mundo. Contabiliza mais de uma centena de mostras, distinções e homenagens.
Eu poderia contar muito mais, mas ela nada tem de soberba ou ostentação. É uma mulher simples, como são “os grandes” - quem é bom no que faz, afinal, precisa mesmo dizer isso?
Não, não era uma entrevista. Zoravia queria me presentear com um de seus trabalhos, por gostar do que escrevo - para minha surpresa e felicidade. Recebeu-me como uma amiga. Mostrou-me suas telas, falou sobre suas lutas, dores e amores, ofereceu-me um copo d’água e permitiu que eu entrasse no seu lugar mais sagrado: o estúdio onde cria.
Ali, no segundo andar da casa, diante de uma mesa cheia de pincéis, perguntei a ela o que é a arte. Aprendi bem mais do que isso.
— É uma razão forte para viver. Quando as pessoas dizem assim: “Ah, tu estás com quase 200 anos e ainda trabalha! E mora sozinha! E anda sozinha!” Parece que, com a idade, a pessoa fica um traste. Não fica nada. É importante criar projetos que incluam o outro, porque vivemos em um país muito difícil. Quem recebeu mais, como é o meu caso e o de muita gente, tem a obrigação prazerosa de ajudar os outros — disse ela.
A arte é a forma que Zoravia encontrou de fazer a parte dela. Que façamos, também nós, a parte que nos cabe nessa aventura chamada vida, a cada zora. A cada nova alvorada.
Zoravia, muito obrigada!
Exposição em cartaz: "Divina Rima"
Quem quiser conhecer um pouco mais da arte de Zoravia Bettiol, tem um prato cheio, a partir do próximo dia 31 de janeiro, na Galeria Habitart, em Porto Alegre.
Localizado no bairro Três Figueiras (à Rua Coronel Armando Assis, nº 286), o espaço exibirá a mostra Divina Rima, com 38 gravuras digitais - entre elas a tela ao lado - e duas criações têxteis de Zoravia.
Os desenhos foram produzidos originalmente para ilustrar o livro Divina Rima - Um Diálogo com a Divina Comédia de Dante Alighieri, do médico e escritor gaúcho Gilberto Schwartsmann, presidente da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa).
São representações de momentos-chave da obra-prima do bardo italiano. A visitação será gratuita, de quartas a sábados, sempre das 14h às 18h, a partir do dia 31.
Onde mais
Você também pode conhecer o Instituto Zoravia Bettiol, espaço para o desenvolvimento do ensino, da pesquisa, da criação e da difusão artística. Veja mais detalhes em @institutozoraviabettiol no Instagram ou na página da instituição no Facebook.