Fui uma criança perguntadeira. Todas fomos, creio eu. Mas ouço até hoje meu pai contar, dando risada, que, de tanta pergunta, ele teve de comprar todos os 30 volumes da Grande Enciclopédia Larousse Cultural.
Os exemplares de capa dura azul e letras douradas seguem lá, enfileirados na prateleira da sala, em lugar de destaque. Sempre foram motivo de orgulho. Meu pai leu todos os 30 livros e, sempre que aparecia uma dúvida complicada, recorria a eles. A edição é de 1988, quando eu tinha nove anos.
Foi o auge da “perguntaria”. Era de manhã, de tarde e à noite pedindo explicações, sobre tudo o que você possa imaginar. Até dormindo, eu fulminava o mundo com questionamentos. Por que a gente morre? O que é suprassumo? Por que arroz se chama arroz? Do que é feito o céu? O que é o ar? Quem é Tancredo Neves? Deus existe?
Do jeito que dava, meu pai e minha mãe se desdobravam para responder. E eu não aceitava qualquer resposta.
— É assim por que é — dizia, meu pai, quando se cansava da insistência.
— Mas por que é assim por que é? — respondia eu, ensimesmada.
Não havia internet nem redes sociais. Eram outros tempos. Antes de aprender a ler e escrever, lembro de achar que aquilo era um tipo de magia. Me encantava saber que um dia eu também poderia saciar a curiosidade lendo todos os livros do mundo. Sim, eu achava que poderia fazer isso, porque as obras que conhecia eram as que havia na biblioteca de casa e na escola. Considerava plenamente alcançável.
Quando comecei a ler, passei, então, a consultar a tal enciclopédia. Voltei a ela agora, para escrever este texto, e me surpreendi com a qualidade do material.
São 120 mil verbetes, complementados por 8,5 mil desenhos, mapas, gráficos e fotos, elaborados “com os mais recentes recursos da informática”, segundo consta no prefácio. Agora a gente acha graça, mas era algo de fato espetacular.
Hoje, as crianças já nascem conectadas. Se você entregar um celular ou tablet para uma menina de nove anos em 2023, ela saberá manejar o equipamento melhor do que você. E mais: provavelmente, não fará tantas perguntas como eu fazia na mesma idade, porque já aprendeu que perguntar ao Sr. Google é mais rápido e fácil. É possível, também, que ela passe horas vidrada no aparelho eletrônico, se os pais ou responsáveis permitirem.
A tecnologia tem zilhões de benefícios, mas também provoca uma série de efeitos colaterais indesejados: o tempo de tela em excesso, as armadilhas virtuais e a tendência a reduzir os contatos e as trocas no plano físico. Pesquisas têm demonstrado que oferecer acesso a telas a crianças menores de dois anos pode ser altamente prejudicial ao desenvolvimento delas. Melhor dar a enciclopédia.
É, claro, posso estar errada. Corro o risco, inclusive, de parecer uma daquelas velhinhas que repetem, sempre e em qualquer situação, que no seu tempo “era melhor”. Ainda assim, acho que a infância pré-internet tinha o seu valor. Não havia tanta informação à disposição nem tantos atrativos e possibilidades pedagógicas, mas havia mais conversa e brincadeiras reais, mais proximidade, talvez.
Até meu pai, que cansou de responder tanta pergunta, pensa assim.