Desde que me conheço como jornalista, acompanho o Acampamento Farroupilha de Porto Alegre, com alegria e curiosidade.
Minha ligação com a "cidade dos piquetes" vem antes disso, na verdade, quando ainda era estudante de comunicação, recém-chegada à Capital, e sonhava em, um dia, me tornar repórter. Aquele "minimundo" erguido no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, o Parque Harmonia, na Capital, sempre me atraiu, por uma série de razões: o universo particular que se forma lá, as histórias familiares e de amizade e o amor à tradição que faz de um povo exatamente isso - um povo.
O Acampamento Farroupilha é parte da narrativa identitária que nos faz gaúchos. É parte do nosso "mito fundador", para usar um termo comum à sociologia, à história e à antropologia. Você pode discordar da narrativa e criticá-la por uma série de razões justas e válidas, mas não pode negar sua influência e força.
Há quem tire férias todos os anos nesta época para poder (re)viver, por um mês, a vida interiorana e as lidas do campo em plena metrópole. Há os encontros e reencontros de quem só se vê nesses dias, há os folguedos e há, também - sempre - as mudanças que dão novos ares à tradição. Lembro aqui, para citar apenas um exemplo, do piquete das gurias - feminista, veja só.
É por isso que, quando vejo o acampamento de 2023 ameaçado, me compadeço. Primeiro, o evento ficou de fora da Lei de Incentivo à Cultura (LIC), a exemplo do que ocorreu com a Feira do Livro de Porto Alegre. Foi socorrido pelo prefeito Sebastião Melo.
Agora, o acampamento pode acabar prejudicado pela decisão judicial que suspendeu obras em andamento no parque. O imbróglio envolve um debate ambiental importante, mas que se radicaliza - e, ao que parece, tende a se arrastar.
Já escrevi, em outro texto, que, fora os excessos e a contaminação política, a discussão sobre o futuro de uma área verde sempre é, a priori, boa para a cidade (para qualquer cidade). Considero fundamental que as pessoas pensem no tema, em geral, relegado ao segundo plano.
Mas seria estranho - e triste - se o mês de setembro passasse em branco, sem toda aquela fumaceira e o cheiro de churrasco à beira do Guaíba. Tenho certeza de que há caminhos para uma saída consensual, tecida na base do diálogo e da convergência, capaz de somar - e não mais de dividir. Sempre há.
O acampamento
Neste ano, estão previstos 232 piquetes no Parque Harmonia. A entrega dos alvarás, segundo a prefeitura, está marcada para esta terça-feira (1º), e a montagem das estruturas teria início no dia 12, com abertura oficial no dia 1º de setembro e encerramento no dia 20, data máxima do gauchismo.