A crise no IPE Saúde - que garante assistência médica e hospitalar a cerca de 1 milhão de gaúchos - vem de longe e foi desencadeada por um conjunto de distorções, assim como a solução para o problema não é única. E muito menos simples. Quem diz que, para sanar o desequilíbrio, basta aumentar os salários defasados do funcionalismo, está fazendo demagogia.
É verdade que, durante sete anos, entre 2015 e 2022, a maioria dos integrantes do Executivo - ao contrário do que ocorreu com os demais poderes, em especial membros do Judiciário - teve as remunerações congeladas (a última revisão geral, de 6%, foi aprovada em abril de 2022). E é evidente que a falta de reposição da inflação ao longo desse período impactou, também, nas contas do IPE Saúde, achatando as contribuições - cálculos feitos por sindicatos, entre eles o Sintergs, que representa os servidores de nível superior, já apontam isso há tempos. A inação do Estado colaborou para o colapso, ainda que não seja a única responsável pela derrocada.
A questão é que, hoje, para cobrir o rombo mensal do plano (estimado em R$ 36 milhões, em média), o governo calcula que seria necessário um reajuste de mais de 32% nos vencimentos dos segurados titulares do IPE Saúde. Seria o melhor dos mundos para os servidores, cuja defasagem salarial chega a 60%, em muitos casos, e não há dúvida de que eles merecem ser valorizados, porque fazem a roda do serviço público girar - desde os postos de saúde até as escolas da rede estadual.
O problema é que a saída é inviável e vende uma ilusão.
O impacto de um reajuste dessa ordem significaria mais de R$ 8 bilhões ao ano nas despesas com pessoal, isso sem considerar os efeitos previdenciários. O aporte ampliaria em cerca de 30% o valor despendido pelo Estado com a folha de pagamento do funcionalismo. Além disso, em 2022, o Executivo ultrapassou o limite prudencial de gastos estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal e, com isso, as amarras legais impediriam um aumento desse porte.
Quem diz que a "solução" para o IPE Saúde é pagar mais para os servidores, acredite, está jogando para a torcida.
Discrepâncias
Isso não significa que os servidores do Executivo estejam errados quando se revoltam diante da diferença de tratamento em relação aos demais poderes - em especial, frente aos recorrentes aumentos salariais do Judiciário.
Se os membros do Judiciário (e MP, TCE, Defensoria) tem reajustes (e agora ainda está pedindo mais 18%), por que os demais não podem ter? A discrepância existe e é absurda, considerando que o dinheiro sai da mesma fonte. A explicação é a seguinte: por lei, cada poder tem autonomia sobre o seu orçamento, e quem tem as maiores dificuldades é o Executivo, ao qual está vinculada a maior parte do funcionalismo.
Discrepâncias 2
As diferenças não terminam aí. Entre 2021 e 2022, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública editaram atos administrativos em série, regulamentando o pagamento de auxílio-saúde para seus integrantes.
Para magistrados, promotores e procuradores, por exemplo, o Estado passou a ressarcir até 10% do valor do subsídio em despesas com médicos, exames e internações. Hoje, isso significa até R$ 3,5 mil mensais. Se for aprovado o reajuste em tramitação na Assembleia, o valor passará de R$ 4 mil. Essas rubricas são "verbas indenizatórias", portanto, estão fora do teto e sobre elas não incidem impostos.
A proposta para o IPE Saúde
Apresentada na noite da última segunda-feira (17) aos deputados da base aliada, a proposta do governo confirma o que já se especulava: a contribuição vai aumentar (de 3,1% para 3,6%), será cobrado um adicional por dependente (hoje, isso não existe) e a coparticipação em consultas e exames subirá de 40% para 50%.