O destino de 38 obras da pinacoteca do Clube Comercial de Pelotas - um dos mais tradicionais do Estado - está no centro de uma polêmica na cidade. Alegando dificuldades financeiras, a entidade decidiu vender parte da coleção privada, mas a fragmentação do acervo, valioso para a história da arte no RS, desencadeou reações no meio cultural.
Entre os quadros, estão duas telas de Aldo Locatelli, pintor italiano que veio ao Brasil especialmente para pintar a catedral pelotense e que deixou sua marca em murais do Palácio Piratini e nos famosos painéis da Igreja de São Pelegrino, em Caxias do Sul. O repositório conta, também, com peças de artistas como Leopoldo Gotuzzo, Pedro Weingärtner e Pedro Bruno.
Hoje, por iniciativa do próprio clube, os quadros estão no museu da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), enquanto a sede da associação - que está deteriorada - passa por reparos no telhado. As peças foram recebidas, avaliadas e catalogadas no museu, que detém a guarda da coleção em regime de comodato. Em dezembro de 2022, no entanto, quatro imagens, incluindo duas assinadas por Locatelli, foram solicitadas pelo clube.
A possibilidade de que as obras fossem vendidas levou o jornalista e ativista cultural José Henrique Medeiros Pires a buscar "proteção legal".
— Reconheço que a propriedade do acervo é do clube, mas o conjunto de obras é uma coleção muito importante para ser vendida separadamente — diz Henrique, que integrou os conselhos de Cultura do município, do RS e do Ministério da Cultura e, em 2019, foi secretário especial da pasta do governo federal.
Junto ao Conselho de Cultura de Pelotas e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, ele conta ter pedido o inventário oficial do conjunto pictórico - o que poderia ser uma forma de facilitar, por exemplo, a elaboração de projetos junto a órgãos públicos para a aquisição dos trabalhos. O processo, segundo ele, segue em análise.
A avaliação da UFPel
O diretor do Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo, da UFPel, Lauer Santos, que ajudou a catalogar o acervo, classificou o repositório em três grupos: um de obras importantes para o Estado e o município, outro com quadros de relevância local e um terceiro que registra a história do Clube Comercial, que costumava adquirir peças de nomes que despontavam na alta sociedade pelotense. O acervo em questão foi montado ao longo do século 20.
— O mais interessante é observar as transformações que foram geradas dentro dessa própria coleção, que começa com quadros mais clássicos e passa a flertar com movimentos mais modernos — destaca o especialista.
Lauer atesta que o clube requisitou, no último dia 23 de dezembro, quatro obras do acervo, assinadas por Locatelli, Gotuzzo e Weingärtner - pintores de maior destaque no conjunto.
— Como museu, cumprimos o papel de guardar e cuidar, mas não podemos interferir no destino das obras — pondera Santos.
O Clube Comercial desistiu - ao menos por enquanto - da retirada dos quadros do museu, embora a obra O Ancião, assinada por Gotuzzo, tenha sido entregue à diretoria e vendida para um colecionador pelotense.
O que diz o Clube Comercial
O vice-presidente e diretor jurídico do Clube, Claudio Amaral, confirmou o interesse em vender as telas. Amaral reforça que o acervo do clube é privado, não sofreu nenhum tombamento e que é direito legal da instituição dispor de seu patrimônio para suprir eventuais compromissos financeiros. Segundo o advogado, o clube passa por dificuldades, o que pesou na decisão da diretoria e do conselho fiscal de negociar parte da coleção para pagar funcionários, que estariam há dois anos sem receber.
— O estatuto do clube não prevê a necessidade de falar com todos os associados. O conselho tem plena autonomia — destaca Amaral.
O Clube Comercial segue buscando compradores para as obras de Locatelli, que, segundo Amaral, já teriam recebido ofertas de R$ 200 mil. A tela de Weingärtner foi avaliada em R$ 150 mil.
— Reconhecemos o valor das obras, mas não podemos nos dar ao luxo de manter uma pinacoteca milionária e não pagar nossos funcionários e impostos. Se o poder público quiser, pode fazer uma oferta — argumenta Amaral.