Professora titular do Instituto de Psicologia da UFRGS por mais de duas décadas, Tania Mara Galli Fonseca fez história por onde passou. Agora, três anos depois de sua partida (em 2019, vítima de um câncer), ela está deixando mais um legado: a doação de seu acervo particular, com cerca de três mil obras, a três importantes instituições de Porto Alegre.
Ligados em sua maioria à psicologia social - área em que Tania se tornou referência no país -, os livros foram entregues ao Instituto de Psicologia, à Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul (já presidida pela professora, que inclusive dá nome à biblioteca da entidade) e à Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, uma das grandes paixões da pesquisadora.
— Sempre foi nossa intenção fazer esse gesto, porque eram lugares onde minha mãe se sentia em casa. Ela dava tudo de si para a universidade, para os alunos e para a profissão. Era uma pessoa ímpar, dedicada, sensível, sempre disposta a agregar e a compartilhar conhecimento — conta Gustavo Fonseca, filho da psicóloga.
Organizado com a ajuda das irmãs de Tania - Neusa e Denise -, o material já está sendo catalogado para ficar à disposição de alunos, docentes, profissionais da área e demais interessados. O mais curioso é que não são livros “comuns”: cada obra exibe vestígios da antiga dona e de sua invejável erudição (veja as fotos acima).
— Os livros têm os traços dela. São anotados, comentados, sublinhados. Além de todo o conhecimento que denotam, têm uma dimensão afetiva, e isso é fantástico. Dá para ver a Tania neles — ressalta Celvio Derbi Casal, que faz parte da equipe da biblioteca do Instituto de Psicologia e do Núcleo Transdisciplinar Arte e Loucura, fundado em homenagem à eterna educadora.
Quem foi Tania
Reproduzo a seguir o obituário de Tania Mara Galli Fonseca, publicado na edição de Zero Hora do dia 13 de setembro de 2019.
“Uma mente brilhante”. Assim amigos e familiares definiram a professora, doutora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Tania Mara Galli Fonseca, que morreu na madrugada de ontem (12 de setembro de 2019), aos 71 anos. Ela estava internada no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Natural de Erechim, era amante da cultura erudita, e artes, escultura e arquitetura. Desde a infância, por influência da família, teve acesso a bons livros e o que de melhor houvesse para o desenvolvimento intelectual. Com um olhar doce e de voz tranquila, Tania será lembrada como uma amável amiga, exemplo de irmã, por seu amor inesgotável pelo filho Gustavo e por sua outra grande paixão: a Psicologia.
Formada na área pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), possuía mestrado e doutorado em Educação pela UFRGS. Acumulava, ainda, o título de pós-doutora pela Universidade de Lisboa (Portugal). Mesmo debilitada, desenvolvia as atividades junto do programa de pós-graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS, e dirigiu a Coleção Cartografias, das Editoras UFRGS e Sulina.
Foi presidente da Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul (SPRGS), com destaque em Estudos da subjetividade e do trabalho. Atuou a partir dos referenciais da filosofia da diferença nos temas tempo e subjetividade, corpo-arte-clínica, trabalho e tecnologias com ênfase nos processos de resistência e criação.
Também escreveu diversos livros, sendo Cartas a Foucault, A Vida em Cena, Testemunhos da Infâmia e Imagens do Fora – Um Arquivo da Loucura, sua mais recente obra, lançada em maio de 2019, que reúne milhares de papéis deixados por pacientes do Hospital Psiquiátrico São Pedro, que frequentaram a Oficina de Criatividade oferecida pela instituição nos últimos 28 anos.
– Se pudéssemos resumir Tania em apenas uma palavra, escolheríamos “encantadora”. Mas, para uma pessoa como ela, não há adjetivos suficientes. Ela fez a diferença na vida de muitas pessoas. Fez o bem. Brilhou. Hoje, o céu ganha uma estrela, e para sempre irá brilhar em nossos corações – descreve a irmã, a jornalista Neusa Galli Fróes.
A psicóloga lutava contra um câncer localizado nos pulmões e nas glândulas suprarrenais. Era viúva do psicanalista Paulo Fonseca, falecido em 2017. Além do filho, Gustavo, deixa as irmãs Neusa e Denise Castro Galli, e o cunhado Fernando Fróes.