Portugal é, de um tempo para cá, o principal destino fixo de brasileiros no Exterior. Já são mais de 250 mil. De advogados a motoristas de Uber, de publicitários a garçons em restaurantes – neste caso, no mês que passo aqui e se encerra no dia 20, girando por várias cidades, fui atendido por quatro garçons, do Maranhão, Goiás, Piauí e São Paulo. Músicos não poderiam faltar, claro, até porque a música é um de nossos principais produtos de exportação. Marcelo Camelo e Ivan Lins estão entre os primeiros a chegar, tendo Lisboa como base. Entre os gaúchos, a partir de 2019 já vieram de mala e cuia Yamandu Costa, Henrique Mann, Gabriel Selvage, Luciano Maia e respectivas famílias. Antonio Villeroy chegará em outubro.
Yamandu teve duas motivações. A partir de 2015 o mercado europeu para seu trabalho vinha crescendo muito, só em 2017 foram 15 viagens do Brasil para cá. Começou a pensar seriamente em ter “um canto” na Europa para passar metade do ano. A outra motivação:
– Com toda a situação política, esse clima complicado de polarização, fui ficando cansado com a ideia de permanecer no Brasil. E quis dar uma oportunidade aos meus filhos de viverem e se educarem num mundo um pouco mais equilibrado socialmente. Portugal foi a primeira ideia pela proximidade cultural. Eu e minha mulher, Elodie, optamos por Lisboa, onde encontramos um apartamento de dois andares e temos nosso estúdio.
Também em 2019, o segundo a chegar foi Henrique Mann, com sua mulher, a professora de História Leandra Vargas. Ele já tinha certa familiaridade com Portugal, viera duas vezes antes para dar palestras sobre a história da música brasileira na Escola de Música Fado ao Centro, de Coimbra, e fez muitas amizades. Ex-coordenador de Música da Secretaria da Cultura de Porto Alegre, trazia na bagagem anos e anos de atuação em casas noturnas com seu violão, cinco discos e três livros, paralelamente praticando e estudando artes marciais. Neste momento, finaliza um livro historiográfico sobre as diferenças e semelhanças idiomáticas entre Brasil e Portugal, escrito em parceria com Leandra.
Quem acompanha as postagens de Henrique no Facebook sabe que o clima político brasileiro também foi determinante para que buscassem novos ares. Vivem em Setúbal e volta e meia se encontram com Yamandu para churrascos e rodas de violão. Outro violonista chegado em 2019 é Gabriel Selvage, de reconhecida atuação na música regional gaúcha e que antes de se mudar para Lisboa vivera um tempo no Rio de Janeiro.
– Vim devido à situação política no Brasil, em busca de um lugar que me desse a possibilidade de uma vida digna sem precisar virar escravo do sistema, pois sentia necessidade de alçar novos voos. E um lugar que também fosse seguro para criar minha filha, que hoje tem quatro anos.
Lisboa foi igualmente o destino do acordeonista Luciano Maia, chegado em 2021. Como Selvage, ele sempre teve intensa atividade no Rio Grande, o “exílio” não foi por falta de trabalho. Conta que o plano de vir para a Europa já tinha uns cinco anos e que, claro, a situação política etc. o ajudou a entender que seria a hora da mudança.
– Não vim para arriscar, mas para tentar coisas que dessem certo, com a ideia de desenvolver e ampliar minha carreira. Esta mudança me cria uma oportunidade gigante de buscar um público que esteja mais alinhado com o que estou produzindo e quero produzir. É bom sair da questão do gauchismo, que sempre pautou minha vida.
Os dias e noites de Luciano têm sido cheios, tocando em casas noturnas, acompanhando outros artistas, criando muitos laços lusitanos. Por exemplo: já tocou até com Mariza, a grande estrela do novo fado. Também se encontra com Selvage, com quem tem um duo, e esporadicamente com Yamandu, no estúdio dele, para compor em parceria e testar sonoridades. Yamandu... bem, Yamandu é um cidadão do mundo. Acaba de voltar de apresentações no Japão e na semana passada a RTP, um dos canais líderes de audiência da TV portuguesa, apresentou a gravação na íntegra de um recente show dele com António Zambujo.
Quanto a Henrique Mann, a tudo observa e anota, reservando suas histórias, seu violão e seu imenso repertório de MPB para os amigos e os vizinhos...