Conheci Basílio Conceição em novembro de 1983 no palco do 1º Musicanto, defendendo Uma Canção para Minha Prenda. Se aquele festival surgia para arejar o já meio viciado ambiente nativista, a música de Basílio chegava ao lugar certo, na hora certa. Canção de amor com ares de milonga, interpretada ao violão, surpreendia pelo inesperado da simplicidade em uma letra rigorosamente bem feita, concluída assim: “Ah, prenda bonita,/ nunca fui poeta/ e pouco sei cantar/ fiz estes versos tortos/ pra lembrar/ pintei o rancho/ e lavei os lençóis/ pra te esperar...”.
Na cobertura para ZH, destaquei a música, que ficou entre as 12 finalistas e foi para o disco. Eu sequer suspeitava que o cara era um roqueiro notório em sua cidade, Arroio Grande, e até nas vizinhas Pelotas e Jaguarão. Agora já conhecido no Estado, voltou às duas edições seguintes do festival de Santa Rosa e daí pra frente quase não tive mais notícias dele. Só quando morreu, aos 36 anos, no dia 5 de abril de 1990, em acidente de automóvel numa estrada de Pelotas. Amigos da zona sul do Estado me falavam dele, era famoso por lá, mas a incógnita permanecia.
Até me chegar, dias atrás, o livro BASÍLIO – A Vida e a Arte de Basílio Conceição – O “Bob Dylan de Bombachas” do Arroio Grande (edição do autor, apoio do Fundo Municipal de Cultura de Arroio Grande), de Pedro Jaime Bittencourt Junior. Advogado e escritor, Bittencourt conviveu durante 15 anos com o biografado e disseca, com afetiva competência, sua saga rumo à imortalidade. Basílio se dizia “uma mistura de Keith Richards com Noel Guarany” e não deixou pedra sobre pedra em Arroio Grande. Agitador, beberrão, mulherengo e músico em tempo integral, deu à única filha (que hoje vive em Florianópolis) o nome de Janis Joplin...
O livro reúne também depoimentos de amigos e amigas do compositor sobre sua personalidade. Brilhante e contraditório, era chamado pelos apelidos de “Diabo”, “Louco”, “Bucha” — palavras que ele usava a toda hora como interjeições. Uma máxima dos punks, atribuída a Sid Vicious (dos Sex Pistols), dizia: “Viva rápido, morra jovem”. Ela serve para Basílio, que estava gravando o primeiro disco quando sofreu o acidente fatal. Depois de descrever as cenas da despedida, o biógrafo resume: “Ali, no enterro do Diabo, morria o homem para nascer o mito”.
Basílio Conceição tornou-se nome de rua em Arroio Grande e dá nome ao Centro de Cultura da cidade.
Antena
O Brasil de Dori e Mônica
No primeiro ano da pandemia, Mônica Salmaso teve a ideia de produzir e postar em suas redes sociais a série de vídeos Ô de Casa, com diversos convidados. Um deles foi Dori Caymmi. E ela gostou tanto que o convidou para fazerem um disco inteiro juntos. O resultado é Canto Sedutor, com 14 canções da parceria de Dori com Paulo César Pinheiro.
“É o Brasil; nossa obra tem tradição, novidade, mas é sempre o Brasil”, diz o compositor. “É imperioso cantar o Brasil neste momento”, sublinha a cantora. Com produção de Teco Cardoso, arranjos de Dori, eles e quinteto mais cordas aqui e ali, é um trabalho que exige audição atenta. São em maioria canções lentas, muitas vezes sobre um homem e uma mulher — trecho da sofrida Delicadeza: “E a felicidade vira só vontade”. Mas também há baião (Flauta, Sanfona e Viola) e até frevo (O Passo da Dança).
Mônica estraçalha, como sempre. (Gravadora Biscoito Fino, CD R$ 53)
Deo Lopes e Os Interiores
Deo Lopes é um importante cantador do Vale do Paraíba, interior de São Paulo. Começou nos anos 1980 na capital junto à turma do Lira Paulistana, já tem cinco discos solo mais três com o grupo Trem da Viração, e preciso reconhecer minha ignorância: nunca tinha ouvido falar dele antes. Menos mal que o dia chega: Concerto Sentido, álbum compartilhado com o violonista e guitarrista Victor Mendes (de uma geração mais nova, toca muito), é encantador.
Impregnadas de lirismo, as canções soam naturais, com letras como: “Viajar assim eu viajei demais/ A procurar por mim, procurando a paz interior/ O bom em mim é voltar atrás/ E poder descobrir que tudo está tão perto” (Viajando o Interior). Esta tem ar de xote, aqui há rock rural, ali uma quase bachiana, e olha, até uma milonga! Grandes músicos completam o time com violino, bandola e baixo.
Deo é ótimo e o disco, surpresa pura, dá gosto ouvir. (Kuarup Música, CD R$ 30)