O texto enviado à imprensa já dava uma ideia da significação de Senhora das Folhas, 10º álbum da cantora carioca Áurea Martins — o anterior é de 2012 e o primeiro saiu há exatos 50 anos. Mas quando você ouve o trabalho, esse texto diz pouco. O álbum tem uma potência absurda, é antológico, obra-prima. Raramente ouvimos algo tão impactante e emocionante.
Aos 82 anos (!), Áurea canta "como se debutasse", avalia o crítico Fernando Lichote. Ela começou na época da bossa-nova, rara cantora negra naquela cena. Em 1969, venceu o programa de TV A Grande Chance, mas desenvolveu a carreira basicamente em casas noturnas do Rio — por isso restou pouco conhecida. Senhora das Folhas é uma prova de que nunca é tarde para (re)começar.
Idealizado por Renata Grieco, com produção e direção musical do grande Lui Coimbra (também violoncelo, violão, viola caipira), com músicos como Marcos Suzano e outros bambas, o trabalho mescla canções de vários autores e épocas seguindo o eixo de uma matriz feminina afro-indígena e urbano-rural que homenageia as rezadeiras, benzedeiras e curandeiras do Brasil.
A partir dessas mulheres, ancestrais e/ou atuais, e da Natureza, o resultado pode ser visto também como uma aula de sociologia — e um álbum político, sob a capa da religiosidade. Nenhuma letra está ali de graça. "É bom que os homens se entendam dentro de um mundo só", diz Prece do Ó, de Dércio Marques. Entre os autores, Socorro Lira, Roque Ferreira, Marlui Miranda, Flaira Ferro, Arlindo Cruz.
Tem cantadeiras, ijexá, samba rural, partido alto, tem uma presença instrumental de alto nível, tudo potencializado pela energia e pela voz poderosa de Áurea Marins, que lembra Clementina de Jesus. Candidato a melhor disco do ano.
SENHORA DAS FOLHAS, de Áurea Martins
- Gravadora Biscoito Fino/Natura Musical, disponível nas plataformas digitais.
- Em abril, lançamento em CD.
Antena
RODA DE SAMBA, VOL. 2, de Renata Arruda
Paraibana, Renata Arruda tornou-se conhecida a partir do Rio de Janeiro, emplacando vários sucessos por grandes gravadoras. Para comemorar 30 anos de carreira, decidiu gravar este Samba de Roda em João Pessoa, com muito bons músicos de lá.
Só clássicos, como Não Deixe o Samba Morrer (Edson Conceição), Foi um Rio que Passou em Minha Vida (Paulinho da Viola), Quem É do Mar Não Enjoa, Pequeno Burguês e Pra que Dinheiro (todas de Martinho da Vila), Vou Festejar (Jorge Aragão) e, entre outras, Coisinha do Pai (Almir Guineto). E tem uma inédita dela, Foi Embora.
Renata é ótima, e o álbum é uma festa. (Kuarup Música)
NOITE DOS ABRAÇOS, de Duda Fortuna
Aparecendo aqui e ali desde 2015, Duda ainda está em busca de uma posição mais sólida para seu muito bom pop no ambiente musical de Porto Alegre.
A pandemia atrapalhou um pouco o projeto, pois o primeiro disco saiu no fim de 2019, pouco antes do início dela. Ele acredita que este segundo poderá ajudá-lo na travessia — os reencontros pós-pandemia são o substrato do álbum, produzido por Vini Cordeiro, Cau Netto, Marcelo Callado e Dazluz!
O som é bem competente, pop certeiro mesmo. Entre os participantes, "apenas" King Jim, Lico Silveira e Eduardo Pitta. Destaque para a música Pra Ti, Poa, homenagem aos 250 anos de Porto Alegre. (Independente)