"Nem tudo está perdido; algumas coisas ainda nem foram achadas." Gosto muito dessa frase de Millôr Fernandes — que, a propósito, nos deixou há exatos 10 anos. Ela se encaixa à perfeição no que quero dizer sobre 60 mini songs, o novo (16º) disco de Carlos Careqa. Sim, são exatamente 60 faixas, a mais curta com 19 segundos, a mais longa com 1min23s.
Imagino a trabalheira que deve ter dado compor, finalizar e gravar tudo isso, pois cada uma tem vida própria. Conheço a obra de Careqa e sei que não é chegado a facilidades, gosta de desafios. Vejo 60 mini songs como um achado, a trilha sonora destes tempos de velocidade virtual, caos político, pandemia (foi criado em 2020 e 2021). Mas essa trilha tem um eixo humanista.
Em 2023, Careqa comemorará 30 anos de lançamento do primeiro disco. Vindo de Curitiba, onde estudou teatro e música, ele chegou a São Paulo em 1992, depois de passar uns tempos em Berlim e Genebra. Foi um militante tardio da Vanguarda Paulistana e mantém aquela chama iconoclasta, irreverente, anárquica. Em sua música, a seriedade é compartilhada com o humor, a diversão — e vice-versa. Gosto muito dos outros álbuns dele, mas este é ainda mais surpreendente; você vai ouvindo e quase não acredita que alguém pudesse ter feito algo assim no Brasil de hoje. Ou até no mundo de hoje. Tem rock, erudito, música de circo, bolero, baião, valsa, marchinha, música brega e mais.
Unindo talento, imaginação e informação, Careqa (voz, violão, samples) e seu brilhante parceiro Marcio Nigro (guitarra, violão, viola caipira, baixo, teclado, samples) conduzem o ouvinte atônito até o final, sem dar um minuto de folga à atenção. As letras podem ter uma, duas, três estrofes, ou nenhuma. Mas tudo tem uma lógica. O disco começa com sete canções sobre os pecados capitais. Em outras, Careqa assina parcerias (!) com Gustav Mahler e Hanns Eisler. Há uns motes que surgem no início, no meio e no fim da viagem. Trecho da letra de The Request: "Já que tu vai pra Miami/ Traz umas coisa pra mim/ Traz um laptop novo e umas roupa de cetim/../ Traz uma mulher inflável/ Pra ser minha namorada".
- 60 MINI SONGS, de Carlos Careqa. Selo Barbearia Espiritual, CD R$ 24 em média nas lojas virtuais Fonoteca e Popsdiscos. Disponível nas plataformas digitais
Antena
VALSAS, CHOROS E CANÇÕES, de Eduardo Gudin
Grande nome da música de São Paulo, parceiro de Paulinho da Viola, Aldir Blanc, Adoniran Barbosa, Paulo César Pinheiro e tal, gravado por grandes intérpretes da MPB, Eduardo Gudin sempre foi conhecido como autor de sambas. Mas, neste 18º disco em 55 anos de carreira, não há nenhum.
Como diz o título, ele ao violão e as cantoras instrumentistas Lela Simões (viola, violino) e Naila Gallotta (piano) fazem delicada e finíssima tessitura de valsas, choros e canções, cujas letras de vários parceiros têm em maioria atmosfera literária. Música de câmara, sem pressa, despreocupada com atualidades, às vezes até com leve ar melancólico.
- ProacSP, CD R$ 27 na loja virtual Popsdiscos. Disponível nas plataformas digitais
CANÇÕES PARA TEMPOS DE CÓLERA, do Unamérica
Formado há 38 anos no Vale do Sinos por Dão Real e Zé Martins, o duo Unamérica veio no momento em que a música latino-americana conquistava espaços no Brasil. Depois isso mudaria, mas eles nunca desistiram.
As canções do novo álbum surgiram em meio à pandemia e ao "clima de negacionismo, de culto ao ódio e à intolerância". São ainda mais fortemente políticas, mas com espaço para a ideia de esperança. Instrumentos como violão, charango, quena e zampoña tocam chamamé, cueca, candombe, milonga, xote, baião. Ao lado das novas músicas do duo tem a versão de El Pueblo Unido Jamás Será Vencido, do grupo chileno Quilapayun.
- Independente, disponível nas plataformas digitais