Os interessados pela história cultural negra no Rio Grande do Sul — e penso que todos deveríamos nos interessar — têm agora um livro fundador: O Sopapo Contemporâneo – Um Elo com a Ancestralidade, de José Batista. Partindo do significado desse mítico tambor criado pelos escravos nas charqueadas de Pelotas no século 19, o autor discorre sobre a trajetória dos negros arrancados à força da África e espalhados pelo Brasil, com ênfase nos trazidos para o Sul. As páginas refletem dores mas não queixas, e sim afirmações. No prefácio, a jornalista Silvia Abreu resume: “A chegada desta obra reforça a importância de termos nossas histórias contadas por nós mesmos”.
Músico e luthier pelotense, construtor de sopapos e outros instrumentos de percussão, José Batista é filho de Mestre Baptista, personalidade essencial do Carnaval, do samba e das manifestações negras de Pelotas, falecido em 2012. Autodidata, frequentemente convidado a proferir palestras em universidades, José é muito articulado, como define a produtora cultural Sandra Narcizo, responsável pela publicação do livro: “Ele é genial, impressionante a riqueza desse homem”, empolga-se, contando que a obra foi acolhida pelo Museu Julio de Castilhos, de Porto Alegre, que recém começa a abrir espaço para a história negra.
Publicado graças à Lei Aldir Blanc de incentivo à cultura, o livro se insere nos novos estudos sobre essa história, pois antes só se falava em escravidão. José optou por manifestar-se na primeira pessoa, dando assim um tom testemunhal. Na página de abertura, homenageia seu pai, sua mãe e o conterrâneo GibaGiba: “Giba, me ensinaste tanto que posso dizer que transformaste minha vida”. Popularizador do sopapo a partir de Porto Alegre, para onde se transferiu bem jovem, Giba tornou-se um ícone da negritude no RS.
Depois dessa primeira menção, a figura magnética de GibaGiba (1940-2014) está em praticamente todo o livro. Eles se conheceram quando Giba levou a Pelotas o projeto CaBoBu, promovido em 2000 pela Secretaria de Estado da Cultura. O desafio proposto por Giba a Mestre Baptista era construir 40 sopapos em um mês. Baptista passou para José parte da responsabilidade e ele nunca mais parou. Um dos capítulos mostra como se constrói um sopapo, resultado de demorado trabalho artesanal. Chamado de O Grande Tambor, o sopapo é uma espécie de pedra filosofal.
Ao lado dos textos de José Batista, estão depoimentos de estudiosos e músicos como Pingo Borel, Andrea Mazza Terra, Richard Serraria, Leandro Anton, Gustavo Türk e Lucas Kinoshita. Além de história antiga (os faraós negros, os ancestrais europeus negros...) e contemporânea, traz toda uma dimensão pela qual passam as divindades africanas e afro-brasileiras. Aos 60 anos, José é um filósofo natural.
Na época das charqueadas, segunda maior atividade econômica do RS, os negros chegaram a representar 60% da população de Pelotas! E algum leitor talvez tenha notado que em nenhum momento deste texto escrevi “negros gaúchos”. Simples: a expressão “gaúchos” está ligada aos CTGs, que em 70 anos de existência nunca incluíram a fundamental presença negra na história e na cultura do Rio Grande.
O livro já foi distribuído a 497 bibliotecas municipais do Estado, 200 Pontos de cultura e às universidades.
O SOPAPO CONTEMPORÂNEO, de José Batista
- MS2 Editora, 210 páginas, distribuição gratuita, pedidos para editora@ms2produtora.com