Em tempos normais, este disco já seria apontado como o melhor do ano. Porque Japan Tour 2019, em torno da música de Guinga (e parceiros), é uma obra-prima.
Você ouve e se emociona com a beleza e o rigor das composições e interpretações, resultado de gravações ao vivo e em estúdio em Tóquio, em 2019. Guinga no violão e voz, Mônica Salmaso na voz, Teco Cardoso nas flautas, Nailor Proveta em clarinete e sax formam um quarteto de alta exigência e sensibilidade. Arranjos exatos (não falta nem sobra nada), música de câmara.
Para mim, hoje a maior cantora brasileira, Mônica já esteve com o gênio de Guinga em outras oportunidades. Consegue como ninguém metabolizar aquelas harmonias únicas, aquela delicadeza, traduzindo para o ouvinte a alma do compositor. E os sopros sublinham brilhantemente essa identidade, marcada pela flauta baixo de Teco. Das 12 faixas, seis foram gravadas ao vivo no Nerima Culture Center (para um público empolgado) e as outras em um estúdio de Tóquio nos dias seguintes ao show.
Mesmo que pareça, não é um repertório inédito. São nove músicas dos anos 1990 e três recentes, duas de 2018. A mais conhecida, que fecha o disco sob êxtase do público, é Baião de Lacan, uma das seis vertiginosas parcerias com Aldir Blanc (que a covid levou em 2020) selecionadas por Guinga e Mônica. Todas as faixas são fantásticas, menciono mais três: Chá de Panela (também com Aldir, homenagem a Hermeto), Passarinhadeira (com Paulo César Pinheiro), e a instrumental Di Menor.
Não paro de ouvir e sempre vêm coisas novas. Um disco raro.
- JAPAN TOUR 2019, de Guinga, Mônica Salmaso, Teco Cardoso e Nailor Proveta. Gravadora Biscoito Fino, CD R$ 45, disponível também nas plataformas digitais.
Na intimidade dos Mutantes
Nenhuma banda pop brasileira é mais comentada do que Os Mutantes, nossos Beatles. Tenho dois livros sobre eles, A Divina Comédia dos Mutantes (1995), de meu amigo Carlos Calado, e Discobiografia Mutante (2018), de minha amiga Chris Fuscaldo. Mas o recém-lançado Os Mutantes a Hora e a Vez – Memórias Fotográficas é outra viagem. Uma viagem pela intimidade da banda paulistana (só poderia ser paulistana) conduzida por mais de 150 fotos feitas entre 1969 e 74 por Leila Lisboa.
Namorada de Liminha, baixista dos Mutas (e mais tarde famoso produtor discográfico), Leila estava em todas com sua Pentax. Cenas caseiras de Rita, Arnaldo, Sérgio, ensaios, shows, estrada etc, clicava tudo. Guardou durante 40 anos aqueles negativos e, em 2015, revelou-os em um livro de edição independente, que chegou ao conhecimento da editora caxiense Belas Letras, que propôs à Leila uma edição mais cuidada.
É o que temos aqui, de forma ampliada e até uma parte nova sobre Os Mutantes em 2021. Além da coleção de fotos, o livro (de capa dura e formato de álbum) tem depoimentos atuais de quem conviveu com eles lá atrás. Breves textos de Leila vão situando a história. Ela viveu pelo lado de dentro a cena hippie dos anos 1960/70. Hoje é uma querida vovó jovem. “Éramos destemidos e invencíveis”, lembra. Obrigado, Leila.
- OS MUTANTES A HORA E A VEZ, de Leila Lisboa. Editora Belas Letras, 217 páginas, R$ 149,90. Pedidos para www.ahoraeavez.com.br