Uma voz bela e afirmativa sublinhando um trabalho de forte personalidade. É assim a cantora e compositora Luana Fernandes, que lança nesta sexta-feira (16) seu primeiro disco, o surpreendente Lua de Outubro.
Natural de Camaquã, 28 anos, ela cumpriu o ciclo dos festivais pelo interior do RS, até mudar-se para Porto Alegre, onde se formou em Publicidade e Propaganda na PUC. Mas seu destino é mesmo a música, como vão demonstrando faixa a faixa do álbum. Embalado por uma MPB pop com bons momentos de peso e eletricidade, Lua de Outubro alimenta-se de letras incisivas, várias na direção do feminino, do feminismo e da negritude; Luana tanto pode arranhar como afagar. Mesmo já tendo trajetória, ela é pura novidade.
“Não vou chorar depois do fim/ Nem escrever versos de dor/ Só vou vestir minha jaqueta preta/ E me camuflar na escuridão”, diz a letra de Jaqueta Preta, dela, incendiada pela guitarra. Também dela, sob marcante percussão, Mulher África começa: “Minha neguinha, te contaram tudo errado”. E segue: “Tua pele negra não é cor do pecado/ É África gritando, teu povo é sagrado”. Outra dela, Não Quis, quase debochada: “Ele não quis saber dos meus cachos no lençol”.
Poderia continuar citando letras e agora, ao escrever, me dou conta de que ouvi o disco sem conhecer os autores, e todas as músicas que anotei são apenas de Luana, sem parceiros. O que não quer dizer que as músicas com parcerias não sejam boas.
O principal parceiro, também diretor musical, violonista e baixista, é Ricardo Cordeiro. Assim como Luana, trata-se de um melodista inspirado, responsável pela ambientação pegadora. Além dele, a banda básica tem Lorenzo Flach (guitarra), Gisa Haas (teclado) e Fernando Sefrin (bateria). Mais os convidados Douglas Vallejos (sax, harmônica), Gabriel Romano (acordeom), Risomá Cordeiro (baixo), Amaro Neto (programações), Bruno Coelho e Lu Mello (percussão).
O disco começa com Luana recitando Fé Menina, poema de seu pai Catullo, que vale como apresentação. E termina com uma faixa bônus que parece destoar do resto, mas na verdade indica outras possibilidades: a alegre Pôr do Sol no Guaíba, de Barbosa Lessa.
Um canto gaúcho gentil, jovial e contemporâneo
Com uma história construída na Universidade Federal de Santa Maria a partir de 1980, desde 2009 Luiz Martins trabalha na Universidade Federal de Santa Catarina. Atravessou esse tempo fazendo música nos dois Estados e só agora, aos 66 anos, achou jeito de gravar o primeiro disco, Canto e Lugar.
Música sempre fez, desde a adolescência, quando começou a tocar em bailes de sua cidade natal, Júlio de Castilhos. Em Santa Maria, integrou o Grupo de Percussão da UFSM, liderado pelo grande Nei Rosauro, e criou a banda instrumental Chrysálida. Na nova cidade, cursou a Escola Livre de Música de Florianópolis e tem sua marca em muitos palcos, principalmente ao lado da mulher, a cantora Isa Martins.
Este primeiro álbum resume a memória afetiva e a formação musical de Luiz, com o DNA gaúcho entrando na MPB de forma afetuosa, jovial, tranquila, sem tons escuros. A voz macia e clara passeia por milongas e outros ares sulinos — que, como semelhança, eu só acharia Vitor Ramil.
As belas letras trazem imagens de campo e horizontes, como em Manhã de Frio, Boi, Bolicho da Saudade (recuerdo do armazém de campanha do pai), Guria, Cerrito. Tudo com refinada roupagem instrumental comandada pelo produtor e arranjador Bruno Tessele, que arregimentou músicos de São Paulo, onde tudo foi gravado, com violão, piano, trompete, guitarra, bombo leguero e tal. Um disco gentil e aconchegante.
Antena
VIOLÃO REGIONAL, de Matheus Alves
O violão de Matheus chama a atenção onde quer que esteja: shows do Instrumental Picumã, com outros artistas, festivais onde coleciona prêmios. Mas em um álbum solo, como este primeiro, o talento fica mais evidente. Nascido em São Gabriel, com vivências e estudos nos últimos 15 anos, formado em música no IPA, Matheus já pode ser considerado um dos grandes violonistas do Sul. É criativo, um toque vigoroso e limpo ao mesmo tempo, composições com cuidadas harmonias. Nas nove faixas, ao lado de Cristian Sperandir, Luciano Maia, Guilherme Goulart, Felipe Karam, Pirisca Grecco e outros, o violão ondula por ares gaúchos, brasileiros e platinos com desenvoltura de veterano. Bela surpresa! Minuano Discos, R$ 15 (CD), em breve nas plataformas digitais.
ILUSÃO À TOA, de Mauro Senise Toca Johnny Alf
No material de divulgação deste álbum, Roberto Muggiati diz que Senise “é uma espécie de Iphan da MPB”, pois já lançou discos dedicados a Noel Rosa, Edu Lobo, Sueli Costa, Dolores Duran e Gilberto Gil. Chega agora a Johnny Alf (1919—2010), um dos precursores da bossa nova — e que ganhou de Tom Jobim o apelido de Genialf. Aqui, o sax e a flauta de Senise (que completará 70 anos neste domingo) formam o trio básico com o baixo de Bruno Aguilar e a bateria de Ricardo Costa, cercados por outros grandes músicos, de Cristovão Bastos a Maurício Einhorn. Música instrumental de altas esferas em Rapaz de Bem, Céu e Mar, Ilusão à Toa, O que É Amar... Com o filho João Senise, Eu e a Brisa é a única cantada. Biscoito Fino, hoje nas plataformas digitais. Brevemente em CD.
"VERSÕES DE VITROLA", de Tuia
Ex-integrante da banda paulista Dotô Jeka, precursora na cruza de música caipira e rock, nos anos 1990, o cantor e compositor Tuia chega ao quarto álbum solo homenageando o pop folk brasileiro das décadas de 1970/80. Apoiada por um competente time de músicos, e arranjos também, sua voz encorpada recria sucessos como Espanhola (Guarabyra/Venturini), Senhorita (Zé Geraldo), Linda Juventude (Venturini/Márcio Borges, participação de Ana Vilela), Começo, Meio e Fim (Tavito) e Chalana (Mario Zan). Das nove faixas, duas são de Tuia, Flor e Céu, está com a convidada Elba Ramalho. Hoje os rótulos ficam para trás, é tudo MPB, mas com combustão roqueira. O gaúcho Juliano Cortuah produziu o disco. Kuarup Música, R$ 25 (CD), também nas plataformas digitais