Não à toa Elizeth Cardoso (1920—1990) era chamada de “Divina”. Tinha uma voz belíssima, um bom gosto à toda prova, grande elegância no palco e na vida. Enfim, uma das maiores cantoras da história da música brasileira. Para marcar o centenário de seu nascimento, dois álbuns estão sendo lançados simultaneamente: Todo o Sentimento e Uma Homenagem à Divina Elizeth Cardoso – 100 Anos ao Vivo. O primeiro, que ela gravou em 1989 acompanhada pelo violão de Raphael Rabello (1962—1995), só seria lançado depois da morte, em 1991. E só agora chega às plataformas digitais. O outro é a gravação ao vivo de um show realizado em março último em São Paulo, com nove intérpretes lembrando seus sucessos.
Produzido por Hermínio Bello de Carvalho, Todo o Sentimento é um disco que nasceu clássico, obra-prima dos dois artistas. Traz a carga emocional de ter sido feito pela estrela Elizeth já abatida pelo câncer que a levaria, ao lado de um jovem violonista genial. Ouvido hoje, passa uma impressão ainda mais marcante. Começa com a vinheta Faxineira das Canções (de Joyce), que diz: “Quem me vê no palco tão serena/ Tão segura e poderosa, radiante de emoções/ Não pode adivinhar o meu trabalho, faxineira das canções”. A seguir vêm 14 músicas em oito faixas, entre elas Camarim, Refém da Solidão, Canção da Manhã Feliz, Doce de Coco, Modinha, No Rancho Fundo, Violão Vadio, Chão de Estrelas, Consolação.
São sambas, sambas-canção, choros, assinados por Cartola, Chico Buarque, Tom, Vinicius, Jacob do Bandolim, Herivelto, Baden, Paulo César Pinheiro, Ary Barroso, Sílvio Caldas, Luiz Reis, Haroldo Barbosa... Alguns desses autores, outros (Ataulfo, Paulinho da Viola...) e apenas duas canções se repetem no segundo álbum, produzido por Thiago Marques Luiz, reunindo artistas que conviveram com Elizeth – Claudete Soares, Eliana Pittman, Alaíde Costa, Leci Brandão, Zezé Motta. E um nome da nova geração, o ótimo cantor Ayrton Montarroyos. E aí você vai ouvir Sei Lá, Mangueira, Naquela Mesa, Estrada Branca, Medo de Amar, Nossos Momentos, Eu Bebo Sim, Na Cadência do Samba, Barracão...
Para os mais jovens, vale lembrar que Elizeth foi a cantora escolhida por Tom e Vinicius para gravar em 1958 o disco inaugural da parceria, Canção do Amor Demais, em que se ouviu pela primeira vez a batida de violão de João Gilberto. Nos anos 1960 e 70, em meia-dúzia de shows, ela fez grande sucesso na mais mitológica casa noturna de Porto Alegre, o Encouraçado Butikin, conquistando amigos íntimos como o colunista social Paulo Raymundo Gasparotto e o marchand Renato Rosa. Antes, fora casada com um gaúcho, o compositor e comediante Ary Valdez, o Tatuzinho, de quem logo se separou sem guardar boas lembranças.
Está de volta a canção de protesto
A iniciativa faz sentido nestes tempos. Mais de 200 músicas de 17 Estados foram inscritas no 1º Festival da Canção de Protesto, cuja final com as dez selecionadas poderá ser assistida no sábado (3) em seu canal no YouTube, a partir das 20h30min. O projeto é do administrador de empresas Mauro Nadvorny e do empresário de shows Alexandre Lopes (o Alemão do Bar Opinião), a partir da evidência de que as redes sociais estão cheias de compositores querendo manifestar suas inquietações. O júri é bom, os músicos e jornalistas Jean Goldenbaum, Lúcia Rodrigues, Andrea Cavalheiro, Thiago Suman e Luiz Felipe Carneiro.
Eles apontarão os melhores intérprete, letra, instrumentista, melodia, arranjo e clipe. O público escolherá as três vencedoras. Concorrem: Acorda Meu Brasil, Levante Sua Voz, de Carla Luana (PR), Censura, de Maurício Círio e Roberto Menezes (RJ), Comunidade Favela, de André Ricardo da Silva e Marcos Abrahão (SP), Ladrilho do Forte, de Vitor Vidal (SC), O Que Direi?, de Bernardo Levy (SP), Omissão, de Maria Soares (RJ), Por Onde Anda a Tua Voz?, de Rodrigo Morales e Raphael Madruga (RS), Rasteira, de Marcelo Beba (SP), Sangue e Revolução, de Joeder Mantovani (SP) e Viciadinhos no Poder, de Fábio Katz (SP).
Vamos conferir?
Antena
LUCIANE MEETS GERSHWIN, de Luciane Bottona
Um destaque do canto lírico brasileiro, com formação em vários países, a mezzo-soprano porto-alegrense Luciane Bottona estreia em disco cantando música popular. O songbook dos irmãos George e Ira Gershwin sempre foi uma de suas paixões, e quando surgiu a ideia do álbum pensou logo neles, convidando o maestro Paulo Dorfman para os arranjos e o piano – ele agregou o baixista Edu Saffi e o baterista Bruno Braga. O resultado é uma sofisticada combinação de jazz e bossa, com Luciane passeando sua bela voz por clássicos como The Man I Love, But Not For Me, Summertime e Embraceable You. Registro este disco com atraso, mas o importante é fazê-lo. (Ideomática, R$ 35, pedidos pelo (51) 99677-3059).
CRISTOVÃO BASTOS E ROGÉRIO CAETANO, deles
O pianista carioca e o violonista goiano estão entre os maiores e mais ativos músicos do país, trabalhando com grandes nomes da MPB e da música instrumental, além das carreiras solo. Entre tantos, Cristovão tem parcerias com Aldyr Blanc e Chico Buarque (como Todo o Sentimento, que dá nome ao disco de Elizeth comentado ao lado), enquanto Rogério já gravou com Yamandu Costa e Hamilton de Holanda. Aqui, a partir de composições próprias, o piano e o violão 7 cordas de aço estabelecem, na linguagem do choro, diálogos de puro encantamento e diversão. Você não sente o tempo passar. Alguns títulos: Choro em Cochabamba, Criançada Reunida e Acreditei nos Beijos Dela. (Biscoito Fino, só nas plataformas digitais).
50 ANOS – DUAS VIDAS PELA ARTE, de Celia & Celma
Em ação desde o final dos anos 1960, as gêmeas mineiras Celia e Celma estiveram em boa parte da movimentação desse tempo nos palcos e na TV. Integraram a Turma da Pilantragem, foram vocalistas de Cauby Peixoto, participaram da Jovem Guarda, figuraram n’Os Trapalhões, entraram na música sertaneja de raiz, apresentaram programa no Canal Rural... Os 50 anos de carreira foram comemorados em São Paulo com show cheio de convidados como Simoninha, Claudete Soares, As Galvão e Renato Teixeira. Este disco é a gravação ao vivo do show. Algumas músicas: Vem Quente Que Eu Estou Fervendo, Sá Marina, Força Estranha, Beijinho Doce, Romaria e No Rancho Fundo. (Kuarup Música, CD a R$ 25).