Lançado em 2006, Jazz+Bossa, seu primeiro disco, encantou pelo modo refinado, sutil e particular de levar essa mistura. Vendeu 25 mil cópias e projetou o Delicatessen para o Brasil e outros países. No quarto álbum, o recém lançado Happy Madness, o quarteto porto-alegrense traz o resultado de sua reinvenção, depois das saídas do violonista/fundador Carlos Badia (2012) e de Ana Krüger (2017), esta principalmente, pois sua voz era marca registrada da sonoridade. Remanescentes, o baixista Nico Bueno e o batera Mano Gomes souberam salvar o grupo.
Com os ingressos do violonista Antônio Flores e da cantora inglesa Rovena Jameson, a música do Delicatessen segue intacta em termos de qualidade e acresce surpresas, como a ousadia da jazzificação de um choro de Pixinguinha, Ingênuo (letra de Paulo César Pinheiro), e predomínio absoluto de músicas brasileiras. Alguém aí torceu o nariz pelo fato de Rovena ser inglesa? Ela é um espanto: vivendo no Rio de Janeiro desde 2009 (depois de viajar pelo mundo), canta em português sem NENHUM sotaque. E canta muito! “Além de ser uma querida”, sublinha Nico.
O ouvinte se empolga mais e mais à medida que o álbum avança. A primeira faixa é outra ousadia, Disseram Que Voltei Americanizada (Luís Peixoto/Vicente Paiva), sucesso de Carmen Miranda, gravado e regravado, ganha um frescor de música nova. Com letra em inglês, This Happy Madness leva as assinaturas de Tom e Vinicius. Também em inglês, vem a poderosa Off and On (Moacyr Santos). Tem uma bossa quase pura, Telefone (Menescal/Bôscoli). A única de autores norte-americanos é Lover (Rodgers/Hart).
Trabalho instrumentalmente irretocável, mundial.
E os convidados Luiz Mauro Filho (piano) e Jorginho do Trompete se encaixam às mil maravilhas nos arranjos.
Jean Kirchoff canta Rômulo Chaves
Desde que abandonou no terceiro ano o curso de Direito, em 2001, para seguir a carreira musical, o gabrielense Jean Kirchoff não teve do que se arrepender. Tornou-se um campeão dos festivais nativistas, colecionando mais de 60 prêmios de melhor intérprete. Sua bela voz e interpretações marcantes ajudaram a projetar muitos compositores, entre eles o também destacado poeta/letrista Rômulo Chaves, de Palmeira das Missões.
Eles se conheceram em 2007 e agora Jean chamou Rômulo para tramar com ele o repertório de Vida & Verso, seu primeiro disco solo — tem seis com outros cantores. “Quis fazer um trabalho sem a pressão dos festivais,” diz. Todas as letras são de Rômulo e parceiros como Émerson Martins, Maikel Paiva, Piero Ereno, Nilton Ferreira, Robledo Martins, Diogo Matos, Zulmar Benitez, o próprio Jean.
As principais características do trabalho são as letras de sentido universal com acompanhamento de apenas um ou dois ótimos violões (Zulmar e Émerson). Canções de amor, de amizade, de olhar a vida e a música, canções reflexivas, para cantar com calma, levadas por leves ares de milongas e chamamês. Alguns títulos: Dos Abraços Que Guardei, Na Luz do Teu Olhar, Carta ao Pai, A Dor da Minha Guitarra.
Vida & Verso marca um antes e depois na carreira de Jean Kirchoff.
Antena
A coluna volta hoje ao normal, mas a situação para as artes em geral e a música em particular segue completamente anormal. Na primeira coluna reduzida a meia página, no início da pandemia por aqui, em março, louvei a generosidade dos músicos em compartilhar suas criações de todas as formas — exceto a melhor delas, o contato ao vivo com o público. De lá para cá, embora paliativos tenham surgido, as coisas só pioraram. As perspectivas de reabertura dos teatros e casas noturnas com música ao vivo parecem distantes. Mas não só os músicos; toda uma cadeia produtiva foi quebrada, com técnicos de som e luz, produtores, roadies, divulgadores e outros profissionais sem ocupação, vivendo de favores e migalhas. Por isso, quem puder ajudar, da forma como puder, que o faça. Viva a música!
SPECTRODELIC PROJECT
De Vince Velvet
Mesmo os admiradores de guitarristas se surpreenderão ao ouvir o primeiro disco do incrível Vince Velvet — ou o canoense Vinício Eduardo, 44 anos, dono de uma loja de camisetas com motivos ligados ao rock em Tramandaí. Quem lhe deu o nome artístico foi o guitarrista americano John Morton, da banda Hunger. Ele merece ser conhecido não apenas por sua história de roqueiro profundo, ruidoso, mas principalmente pela vigorosa música instrumental que produz. Faixas como Terrific, Chuva em Seattle, Monstro na Sopa, Frank Junk e Frequência Alterada mesclam rock progressivo, psicodelia, blues, balada, jazz e até um rock and roll minimalista. Vale a pena ouvir.
- Independente, R$ 20 no Facebook Spectrodelic
ENTRE MIL... VOCÊ!
De Daniela Spielmann e Sheila Zagury
Ambas com larga folha de serviços prestados à música brasileira, a saxofonista/flautista carioca Daniela e a pianista norte-americana radicada no Rio Sheila se unem para esta linda releitura de parte da obra de Jacob do Bandolim (1918-1969). Fizeram bem em escolher composições menos conhecidas do mestre do choro, como a que dá título ao álbum, ao lado de dois clássicos, Vibrações e Doce de Coco. Chamaram para ajudá-las músicos como Almir Côrtes (bandolim) e Catherine Bent (violoncelo), e homenagearam o pai através do filho, com duas conhecidas canções de Sérgio Bittencourt, Naquela Mesa e Modinha, ambas na voz de Soraya Ravenle. Um grande disco.
- Kuarup Música, R$ 25