Mauro Moraes é aquele cara que veio comendo pelas beiradas e papando festivais com suas músicas cantadas por outros, até um dia todos se darem conta de que estava ali um dos compositores mais originais do universo nativista e, portanto, um dos grandes. Ninguém faz letras como Mauro, sabemos desde 1993, quando as reuniu em disco pela primeira vez, Milongueando uns Troços, cantadas pela improvável união de Bebeto Alves e José Cláudio Machado, hoje um clássico. Bebeto marca presença no disco novo, Demoraes (21º em 30 anos de carreira), compartilhando a interpretação da milonga Povoeiros. “A novidade está no que foi esquecido/ Pergunte ao olhar de quem vem voltando”, diz a letra.
Ele é um milongueiro e pronto! De vez em quando vêm uns ares de chamamé, umas toadas. E neste álbum parece ainda mais reflexivo do que sempre foi, um homem lançando o olhar em volta – da casa, dos amigos, dos dias, do horizonte. Enquanto aumenta o nível do gritedo na música gauchesca, Mauro baixa o tom de voz e fica, como revela o título de uma das músicas, Pensarolando. Em outra, com esse gerúndio que já é marca registrada, volta a cantar sua terra: o leve chamamé Uruguaianando lembra os antigos trilhos de trem, as gentes e as histórias da ponte que leva a Libres, e é concluído com dois poemas do cada vez mais respeitado Rafael “Cabo Deco” Ovídio, recitados pelo próprio.
A homenagem a Bebeto, Bebeteando, inspirada no estilo do amigo e conterrâneo (“Fiz a melodia comentada/ Alternando compadrada/ De mirada e consumo/ Fiz ela soltando os cachorros/ Atiçando o fogo, ouvindo rádio”), também tem a presença do Cabo Deco, recitando ao final a letra de Milongueando uns Troços. Mas enfim: é um disco para ouvir com calma. Os arranjos, limpos, têm Mauro (violão), o fantástico Guilherme Castilhos (violão solo), Leonardo Quadros (violão sete cordas) e Fabiano Torres (gaita). E deixo um trecho da última faixa, Cambada: “Murrinha é aquele que não vive a sua vida, vive a dos outros (...) É aquele que se encontra espraiado nos latifúndios improdutivos da mediocridade”.
Madruga: além do lado campeiro
No ano passado, um amigo perguntou a Carlos Madruga por que não fazia um disco com suas músicas mais projetadas, isto é, de estilo não propriamente campeiro, tendo em vista que tem participado com destaque também em festivais abertos, como a Moenda da Canção. Ele achou a ideia boa, e assim nasceu o álbum Trajetória, quinto de seus 30 anos de carreira.
— Meus quatro discos anteriores têm uma linha mais gauchesca, minhas músicas de projeção foram ficando pelo caminho — diz Madruga. — Agora resolvi agrupá-las, pois gosto de fazer as duas coisas.
O álbum reúne 17 músicas apresentadas em mais de 10 festivais desde os anos 1990, com diferentes ritmos gaúchos, parceiros e intérpretes. Foram extraídas dos discos desses festivais e remasterizadas.
A faixa de abertura venceu a 14ª Moenda, em 2000, Quando uma Taça se Quebra, letra de Vaine Darde interpretada pela ótima Ana Krüger, não ligada ao regionalismo. Já a cantora Loma transita pelas duas linhas e brilha em Um Lugar no Coração (letra de Alvandy Rodrigues). Como é uma coletânea que atravessa o tempo, dois personagens já morreram: o letrista Dirceu Abrianos e o lendário cantor César Passarinho, ambos da música Uma Canção Para o Vento. Madruga é mestre em melodias.
Não há como dar aqui todos os detalhes, então resumo citando os parceiros Vinicius Brum, Xiru Antunes, Armando Vasques, Alex Silveira, Heleno Cardeal, Eduardo Muñoz, Carlos Moacir Pinto Rodrigues e Marco Araújo, e os intérpretes Fátima Gimenez, Pirisca Grecco, Kako Xavier, Zé Caradípia, Flávio Hanssen, Maurício Barcellos e Rogério Melo (bem diferente do trabalho com César Oliveira). Os arranjos e violões são de Carlos Madruga, liderando diferentes formações instrumentais.
Pedro Junior junta os diferentes
Pedro Junior da Fontoura é um multimídia. Professor de Literatura Brasileira (formado pela UCS) em Bento Gonçalves, se completa como poeta, letrista de música, declamador, apresentador de rádio e agitador cultural. Depois de quatro livros e sete discos, está lançando o CD Gerações, com poemas de 14 gaúchos contemporâneos nas vozes de três declamadores e duas declamadoras. No encarte, ele escreve: “‘Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade’. Com este texto emblemático do meu guru Raul Seixas eu sintetizo este projeto coletivo de amor à poesia e à arte declamatória”.
Para sonhar junto, chamou do consagrado Romeu Weber a uma menina que tem deixado de boca aberta os veteranos dos concursos de declamação, Luiza Barbosa, 13 anos. Mais a já experiente Liliana Cardoso e um jovem que está chegando com força, Guilherme Suman. E ele, claro. Os poetas escolhidos são muito significativos e comprovam o olhar aberto de Pedro Junior: os que já se foram Luiz Menezes, Apparício Silva Rillo e Antônio Augusto Ferreira, e os que estão na ativa, Colmar Duarte, Bianca Bergman, Rafael Ovídio (Cabo Deco), Vaine Darde, Carlos Omar Villela Gomes, Jaime Vaz Brasil, Oliveira Silveira, Joseti Gomes, João Sampaio, Rodrigo Bauer e Moisés Silveira de Menezes.
Nada menos que 17 instrumentistas do primeiro time, entre eles Oscar dos Reis, Maurício Marques, Guilherme Castilhos, Gustavo Brodinho, Diogo Barcelos e Texo Cabral, participam como “amadrinhadores” das declamações. Pedro arremata assim sua produção de alto nível: “Uma maneira simples e única de juntar os diferentes e iguais, ao mesmo tempo. De unir os que falam de coisas da nossa terra e da nossa alma pampeana”.