Os dois primeiros discos de Marcelo Delacroix, lançados em 2000 e 2006, são muito bons. Mas, diante do terceiro, Tresavento, penso que como artista ele atinge a maturidade – e que é o mais brasileiro dos compositores gaúchos. O que é um artista maduro? Entre outros fatores, é o que não tem necessidade de se explicar. Como Caymmi.
A música de Delacroix dialoga naturalmente com o ouvinte atento de qualquer lugar. Embebidas por melodias inspiradas, que alimentam o prazer estético, as letras que canta são universalmente brasileiras. E a voz suave, com timbre único, entra nesse conjunto para particularizá-lo. É Marcelo Delacroix. Ponto.
Começou a carreira no início dos anos 1990, no grupo instrumental Quebra Cabeça, registrado em um CD. Depois dos dois individuais (ambos ganhadores do Prêmio Açorianos de melhor disco), lançou em 2013, com o uruguaio Dany López, o muito bom Canciones Cruzadas. E agora Tresavento, cuja música título, parceria com Leandro Maia, inspira-se no conto Tresaventura, de Guimarães Rosa. Menções e insinuações literárias perpassam o álbum desde a primeira faixa, História de Nós Dois (também com Leandro), por onde passeiam Dom Quixote, Dulcineia, Capitão Rodrigo, Bibiana Terra, Riobaldo, Diadorim, eu e você...
Vai-se ouvindo e... qual a melhor canção? Todas. Tem duas parcerias com Jerônimo Jardim, o samba Ponta de Estoque e Milonga Moura. Tem os ares folclóricos de Folia do Divino (com Rubem Penz). Tem outra milonga, Dentro da Noite, letra poderosa de Ronald Augusto. As lindas instrumentais Valsa da Primeira Estrela e Dança do Sonho. Não dá pra citar todas. Exatos e leves, basicamente violões e percussões, com detalhes aqui e ali, os arranjos são de Delacroix e Neuro Junior. Entre os músicos, Pedrinho Figueiredo, Toneco da Costa, Giovanni Berti, Gutcha Ramil, Andressa Ferreira, Bruno Coelho, Gabriel Romano e Lucas Fê.
Sérgio Rojas assume pop platino
Depois do DVD Frontera (2015), gravado ao vivo, com forte influência do pop argentino, Sérgio Rojas resolveu seguir na mesma linha com este terceiro álbum de estúdio, Atemporal. Se no anterior ele já cantava algumas canções com letras em espanhol, a opção agora é radical: todas são nesse idioma.
Várias do DVD reaparecem aqui, com outros arranjos, caso da própria Frontera, milonga/candombe cujos versos autobiográficos lembram a história do garoto de Uruguaiana que sorvia a cultura platina graças à avó correntina e a uns tios uruguaios. Por isso, o texto e a pronúncia do espanhol são praticamente perfeitos. Cito Frontera, e há também uma zamba, mas no mais o álbum é pop mesmo. E ele está cantando muito.
Rojas tocou como convidado de Mercedes Sosa em 1987 e em 1995, e dividiu o palco com Fito Páez em 2003. É de Fito sua maior influência em Atemporal – pouco ou nada se ouve da sonoridade que apresentava nos tempos dos festivais nativistas. No novo disco, assina todos os ótimos arranjos e toca todos os violões, ao lado de um afiado grupo de instrumentistas, entre outros os habituais parceiros Rafa Schuller (guitarra), Sandro Berneira (baixo), Diogo Barcelos (piano) e Xandy Olly, mais músicos argentinos amigos. Cordas e metais sublinham a maioria dos arranjos. Em meio ao predomínio de histórias de amor, duas músicas se destacam pelo tom candente, Hay Algo Mal Allí e Reflexión.
Antena
MAGRA DO BONFA, de JH O Comendador
Jottagá (de Jorge Hugo) ganhou notoriedade em Porto Alegre a partir de 1985, com os shows e discos (10!) da banda Froide Explica. Marca: rock e humor. Neste novo álbum, atuando com músicos como Veco Marques e Jorge Vargas nos violões, Chico Merg na guitarra e Chico Ferretti nos teclados, ele adota o título de Comendador para andar por uma cidade quase estranha. Diz a letra de Salve a Redenção: “Hoje cadê Porto Alegre?/ Não reconheço mais não”. Em Meu Nome É, recorda personagens do rock gaúcho, de Almôndegas a Frank Jorge, Nei Lisboa, Replicantes, Engenheiros. E por aí vai, em rocks de efeito instantâneo. Bem cantado e tocado, satírico, crítico, divertido, nostálgico, um disco meio à margem.
SABER DIZER, de Uilson Paiva
Nos anos 1990, Uilson Paiva tocou em bandas cover de Pelotas e Porto Alegre. Mas se dedicaria ao jornalismo, trabalhando em Zero Hora e na imprensa paulista. Atualmente vive em Telêmaco Borba (PR). Hoje com 48 anos, diz que suas canções, compostas ao longo do tempo, ficaram presas em um “armário musical”, do qual agora foram enfim libertadas com a gravação do disco Saber Dizer, “a trilha sonora de minha vida”. Bem produzido por Juninho Betim, com músicos competentes e bons backing vocals, é um trabalho eclético – começa com funk/soul ao espírito da banda Black Rio, passa por blues, rock, milonga, country, e termina com samba-canção. As boas letras falam em geral de relações amorosas. Parabéns, Uilson.
BONANÇA, da Esquimós
Hoje um duo com Joaquim Mota (guitarra, baixo, voz) e César Goulart (bateria), na gravação deste segundo álbum (o primeiro é de 2015) ainda estava na banda o guitarrista Matheus Costa. Formada em Pelotas, a Esquimós faz o pop dos anos 2020, sonzaço orgânico, viajante e onírico, meio experimental, com influências atribuídas a Bon Iver e Frank Ocean, mas no qual estereossauros como eu acham referências a Pink Floyd ou Radiohead. Tem letras como a de Fim do Mundo: “Com a consciência pesando bem no centro do meu ego/ Todos os meus demônios gritam/ Não me deixam escutar mais a razão”. Pop rock bem tocado e cantado, feito com segurança técnica.