Escrevo sobre música há décadas e nunca tinha ouvido falar em Vitoria Maldonado. Agora, o álbum Brasil L.I.K.E., feito com o Ron Carter Quartet e a Orquestra Brasileira de Ruriá Duprat, me dá esse prazer, pois ela se revela uma cantora de jazz de primeira linha. Só o aval empolgado do lendário contrabaixista norte-americano já diz muito – e a pianista de seu grupo, o canadense Renee Rosnes, também é um músico de brilho próprio. Ainda há outros craques ao lado deles. A voz de Vitoria, colorida e aveludada, assim como seu modo pessoal de entrar nas canções, a credenciam mesmo como uma das grandes cantoras de jazz do momento, precisa apenas ser mais conhecida, como parece que começa a acontecer. Lançado nos Estados Unidos em 2016 pela Summit Records, o disco foi recebido com críticas muito positivas.
Paulista nascida em um ambiente musical, na adolescência Vitoria estudou piano erudito com Marina Brandão e popular com Amilson Godoy (Zimbo Trio). Depois se formou em composição e regência em Berklee. No final dos anos 1980, vivendo no Rio, acompanhou Marisa Monte em início de carreira. Seu primeiro álbum saiu em 1984 e o segundo somente 17 anos depois. No material de divulgação de Brasil L.I.K.E. ela fala sobre esse hiato: “Eu nunca deixo de tocar, compor ou me apresentar, acontece que gravo pouco. Por questões familiares, passo um tempo nos Estados Unidos e outro no Brasil. Mas a música está sempre comigo. O encontro com Ron foi uma coincidência maravilhosa, nunca pensei gravar com ele, que é um gigante, uma lenda”. A propósito: L.I.K.E. são as iniciais de love, inspiration, knowledge e energy.
Standards do jazz, e uma mescla de jazz com bossa nova perpassam o disco (gravado em São Paulo), com diferentes abordagens instrumentais, sempre com a orquestra de Ruriá (12 violinos, quatro violas, quatro violoncelos, quatro cornes franceses, quatro flautas). Aqui e ali vão entrando, um em cada música, Randy Brecker (flugelhorn), Roberto Menescal (violão), Proveta (sax alto), Toninho Ferragutti (acordeom) e Marcos Mincov (corne inglês). Georgia on My Mind tem apenas Vitoria e o quarteto de Ron Carter. Entre Night and Day, All of Me, How High The Moon e outras, estão os clássicos brasileiros Lugar Comum e Someone to Light Up My Life (versão de Se Todos Fossem Iguais a Você), duas de Vitoria, Adoro o Teu Sorriso e Because You Make Me Dream, e Saudade, dela e Carter. Um discaço!
Veja o making of da gravação em bit.ly/RoneVitoria
João Senise combina jazz e romantismo
Revelação de cantor em 2013 com seu primeiro disco, Just in Time, de standards do jazz, João Senise, 28 anos, não se afasta do rumo que traçou para sua carreira. Depois gravou um tributo a Ivan Lins (compositor com forte acento jazzy), um tributo a Frank Sinatra (seu cantor predileto) e Influência do Jazz, com clássicos da bossa nova. Mantendo o pique de fazer praticamente um álbum por ano, no recém-lançado Love Letters ele volta ao espírito daquele primeiro, agora com muito mais segurança e personalidade. Como sempre, os arranjos e o piano são de seu padrasto Gilson Peranzzetta e entre os convidados, tocando flautas ou saxes em várias faixas, está seu pai Mauro Senise, ambos nomes extraordinários da música brasileira.
São 16 clássicos do jazz e da canção romântica que atravessam o século 20, de S’Wonderfull (1927) a Human Nature (1982), esta um dos sucessos de Michael Jackson – isso mesmo, é uma surpresa, mas João (perfeita dicção no inglês) a naturaliza entre Whats’s New, Autumn Leaves, My Funny Valentine, Unforgetabble, Angel Eyes, When I Fall in Love, Time After Time e tal, gravadas por dezenas de cantores ao longo do tempo, de Ella Fizgerald a Diana Krall, Nat King Cole, Miles Davis, Sting... Outras surpresas: o bolero Besame Mucho e Moondance, de Van Morrison.
O trio básico se completa com Zeca Assumpção (baixo) e Ricardo Costa (bateria). Outros convidados: Nelson Faria (guitarra), Romero Lubambo (violão) e a cantora Indiana Nomma.
CUTUCA MEU PEITO INCUTUCÁVEL
De Túlio Borges
Premiado compositor e cantor brasiliense, Túlio Borges faz neste terceiro álbum quase um manifesto sobre a paixão e a música nordestina. Sempre com letras consistentes, o trabalho reúne parceiros como Jessier Quirino e os irmãos piauienses Clodo, Climério e Clésio Ferreira (autores de Revelação, primeiro sucesso de Fagner). Com arranjos de Túlio, a instrumentação tem basicamente violão, cavaquinho, acordeom, baixo e percussão – o grande percussionista maranhense Papete morreu em maio de 2016, pouco depois de participar das gravações deste trabalho. Cantor personalíssimo e muito simpático, Túlio manda ver em xote, coco, xaxado e baião que convidam a dançar. Trecho de Ela Levantou os Braços e eu Morri de Amores: “Ah, mas que vontade me deu/ De dar um beijo bem dado/ No teu sovaco raspado/ Desodorado e gostoso/ Dar um abraço arrochado/ De peão em touro bravo/ Te ofertar uma flor caipira/ E ficar ali parado/ Cheirando o ar que respira”. Independente, R$ 35 em tulioborges.com.
SOL FUTURO
De Adriano Magoo
Conhecido principalmente pelo trabalho na banda de Zeca Baleiro durante anos, o multiinstrumentista (toca piano, teclados, acordeom, violão), compositor e arranjador Adriano Magoo chega ao primeiro disco solo, produzido em parceria com o engenheiro de som Evaldo Luna. É música de sotaque próprio, alinhando vários climas e sonoridades, com um resultado empolgante para quem gosta do gênero instrumental. Nas oito faixas, todas compostas por ele, com títulos como Cordillera, Cinco e Meia em Maceió, Olha o Choro Aí, Cerrado’s Rumba e Fogo de Encontro, Magoo apresenta o que eu chamaria de world music. Tem frevo, samba, balada, música progressiva, atonalismo, tudo passando por um filtro jazzístico. Entre os instrumentistas destaco o ótimo Dado Magnelli (saxes). Evaldo Luna se encarrega dos samplers e ambiências, usando sons espaciais captados pela Nasa. Saravá Discos, R$ 25.
OLHA PRO CÉU
De Tomás Improta
Em atividade desde os anos 1970 (depois de estudar com Francisco Mignone e Marlos Nobre!), Tomás é um dos pianistas/tecladistas de maior currículo na MPB, garantia de qualidade. Tocou com todo mundo, pense aí nos grandes nesse tempo e vai acertar (só com os baianos, mais de 10 anos). Mas em 1990 ele passou a se dedicar ao trabalho autoral e este é o 10º álbum, seguindo o premiado A Volta de Alice, de 2015 – que comentei aqui. Ao lado de duas composições próprias, Tomás alinha cinco clássicos. Dois se notabilizaram pelas letras, Risque (Ary Barroso) e Pra Dizer Adeus (Edu Lobo/ Torquato Neto), e ele impõe sua versão de piano solo. Em I Concentrate on You (Cole Porter), tem a ajuda ao violão do filho Gabriel Improta. De Tom Jobim, traz Olha Pro Céu. Em Poema Singelo (Villa Lobos), homenageia o responsável pela ida de sua mãe, pianista clássica, do interior de SP para o Rio. Sonora Música, R$ 25.