João Donato coleciona fãs desde os anos 1950, quando foi um dos definidores da bossa nova. Tornou-se a seguir uma espécie de papa do samba ligado ao jazz e aos ritmos centro-americanos, condição que ostenta até hoje, aos 82 anos e em plena atividade – como pôde constatar no sábado passado o público do Rock in Rio no show em tributo a ele. Mas esses fãs estão levando um susto ao ouvir o álbum Sintetizamor, feito com seu filho Donatinho, 50 anos mais moço. Já na primeira faixa, De Toda Maneira, abre-se um eletropop dançante movido a sintetizadores, teclados analógicos e programação eletrônica, com os dois cantando juntos. E o embalo segue nesse rumo. Donato ficou feliz com o resultado e orgulhoso de estar ao lado do filho, que começou a carreira como DJ no início dos anos 2000 e é requisitado produtor musical no Rio.
"Dividir os microfones com ele é algo que eu sempre quis fazer", disse Donatinho em uma das tantas entrevistas que tem dado. No encarte, ele registra que a ideia era fundir os dois universos musicais. Donato deve ter se divertido ao entrar em contato com a coleção de instrumentos analógicos do guri e toca sintetizadores em todos os arranjos (em alguns também piano Rhodes). Tanto, que se ajusta mais ao espaço do filho do que o contrário. Falando em espaço, desde as ilustrações da capa, criadas pelo americano Allan Jefferson (da Marvel Comics), em que eles pilotam uma nave, o clima é de um futurismo meio retrô. Donatinho sempre foi ligado nas sonoridades dançantes dos anos 1970 e 80, aqui e ali você encontra vestígios do jeito Motown de levar a vida, beats do velho funk, marcações da disco music.
Vão por aí as faixas Surreal (Donatinho cantando com voz de robô), Interestellar (letra em inglês, vocais da ótima Gabriela Riley), Lei do Amor, Luz Negra, Quem é Quem (voz solo de Donato) e a instrumental Clima de Paquera (com diálogo de tempero erótico entre Donato e Julia Bosco). As três últimas ficam no feeling mais "normal" do pai: com letra sugestiva de Ronaldo Bastos, Vamos Sair à Francesa é um samba de ares caribenhos; Ilusão de Nós, uma bossa em que contrastam as vozes dos dois; e o samba-jazz instrumental Hao Chi inclui ao fim um poema em chinês. Além de Ronaldo, há outros parceiros letristas, como Jonas Sá e a própria Julia Bosco. E embora dominantes, não é um disco só de teclados: a maioria dos arranjos tem guitarras e dois têm metais. Depois do susto inicial, o resultado é uma bela surpresa.
Deu muito certo, Donatinho. E nem poderia ser diferente. Donato não precisou ser "corajoso" para encarar o desafio, apenas seguiu o instinto.
SINTETIZAMOR
De João Donato e Donatinho
Deck Disc, R$ 27,90. Disponível nas plataformas digitais.