Lá no Beira-Rio, o Roger Lerina dizia ser a quarta vez que via os Stones. Aí outro me contou ser a terceira, outro a segunda, e tal. Pois para mim era a primeira! Lembro do dia em que comprei meu primeiro disco dos caras, Out of Our Heads, em 1966, ainda estudante no Julinho. Lembro de ter fumado um com meu camarada Virson Holderbaum para ouvirmos o recém comprado Their Satanic Majesties Request em minha vitrolinha Philips em que a caixa de som era a tampa – e que depois levei para rodar no toca-discos do centro acadêmico da Filô/UFGRS, em 1967, onde eu iniciava o curso de Jornalismo, em 1967, e comparávamos que esse era o Sgt. Peppers dos Stones. Lembro do dia 28 de dezembro de 1974, quando publiquei em Zero Hora o comentário de It's Only Rock'n'Roll, meu álbum preferido deles, dividindo a página com Before the Flood, meu preferido de Bob Dylan.
Pois na noite de quarta-feira, no Beira-Rio, ao começar o show, por um flash lisérgico, um raio de memória, me senti vivendo aqueles tempos simultaneamente com o hoje. Não cheguei a derramar uma lágrima, mas deu um nó na garganta ver nos telões a figura gigantesca e sorridente de Keith Richards de cabelos brancos tocando a guitarra com uma felicidade de iniciante; olhar para o palco e acompanhar a movimentação aeróbica de Mick Jagger (será que ele pinta o cabelo?), ouvindo sua voz vindo das profundezas do rock. Ao lado deles, compenetrado como sempre, tão magro como todos, mas com os cabelos lisos ainda mais brancos, o venerável Charlie Watts na bateria exata, mais de 50 anos de baquetas manuseadas por quem sabe tudo de rock mas que em casa praticamente só ouve jazz. E Ron Wood? Parece ter a mesma fisionomia da época em que tocava no Faces, de onde foi tirado pelos Stones em 1974.
Lá pelas tantas, a chuva me incomodou e procurei abrigo na parte coberta do estádio, onde por algum tempo vi o palco meio de lado, visão compartilhada por Luís Fernando Veríssimo e sua Lúcia, que também fugiram do aguaceiro e de ficar em pé, sentando nas cadeiras vermelhas. Mas ouvíamos o som perfeito, como num vinil zerinho em caixas potentes. Levada pelo vento, a chuva também invadia o palco e Mick acabou apelando para o chapéu e capa, sem perder um segundo de pique. Quando ele, depois se comunicar o tempo todo em português, gritou "tri foda!" para a multidão encharcado e feliz, disse para mim mesmo que não podia não estar vendo tudo na íntegra, que talvez nunca mais tivesse outra oportunidade (embora em se tratando dos Stones nunca de saiba), e voltei para debaixo d'água.
Cicão Chies, da DC Set, um dos comandantes da turma de 1.800 pessoas que trabalhou na realização do show, comentou comigo: "O Mick traz chuva. Choveu em todos os shows da turnê". Quem sabe os Stones voltam no próximo período de seca no Rio Grande?