"A questão não é se existe vida depois da morte. A questão é se você viveu antes de morrer." (Osho)
Cada um tem um jeito próprio de administrar suas limitações. Apesar do esforço dos coachs insistindo com estratégias milagrosas, as pessoas que preservaram o espírito crítico sabem qual caminho a escolher nas encruzilhadas. E que sistematicamente é o mais árduo.
Mas a forma de reagir é imprevisível e, muitas vezes, contraditória. Por mais maduro que sejamos, quando o desafio é conviver com o envelhecimento biológico e suas perdas cognitivas a negação é imediatamente assumida, mesmo quando a decrepitude bateu à porta sem ter sido convidada e, sem noção do ridículo, não sai da janela.
Nada é mais importante neste ponto do que um amigo capaz de dizer "Basta".
Como a dificuldade está na admissão desse diagnóstico, porque ele é demolidor do ponto de vista familiar, individual e profissional, fazemos de conta que está tudo bem. E mesmo que tenhamos consciência do que está acontecendo, é compreensível que conservemos a pose de quem está completamente sadio. E, sem dúvida, quanto mais festejada e inspiradora foi a vida até esse ponto, mais nos rebelamos à capitulação.
O Alzheimer tem uma fase, dita pré-clínica, em que pequenos lapsos são indistintamente atribuíveis ao envelhecimento, e só assumidos como indícios da doença depois de algum tempo, quando, por frequência das falhas, a família se dá conta de que a hierarquia doméstica está sendo modificada porque o antigo gestor daquele clã não consegue mais gerir a sua própria vida.
Ainda que o ritmo de progressão possa ser afetado por fatores genéticos, mudança de estilo de vida e idade do paciente (doença manifesta em pacientes mais jovens evolui de forma mais acelerada), até o momento não existe tratamento efetivo, apesar de ofertas esporádicas de drogas novas, pretensamente revolucionárias e invariavelmente caras. Então, sendo a progressão da doença inexorável, resta à família dar ao paciente todo o suporte emocional para que ele consiga continuar mentalmente produtivo pelo tempo de lucidez que lhe reste. Desse suporte, faz parte importante a prevenção de exposições públicas, especialmente no período da doença em que o paciente ainda percebe o tamanho da bobagem que disse, mas só depois de tê-la dito, e tenta assumir ares de brincadeira.
Nesta fase, que pode ser rápida ou arrastada, o paciente e sua família sofrem igualmente em cada deslize, e a tentativa de justificar o erro só estimula a geração de memes pelos impiedosos adversários e a comiseração dos que nunca deixarão de amá-lo.
Mantê-lo na vitrine é sacrificá-lo impiedosamente, especialmente quando a vítima é um político de grande visibilidade. Nada é mais importante neste ponto do que um amigo, nivelado pela hierarquia dos afetos, que fosse capaz de lhe dizer "Basta" e ser ouvido sem desconfiança. Um desses amigos que considerem que trair é o mesmo que morrer, e para quem a morte deve anteceder a traição.
Na fase da desconexão cognitiva, o sofrimento passa a ser exclusividade da família pelo convívio diário, que nem remotamente lembra o bem-amado do tempo em ele foi muito.
A tentativa frequente de revisitar o passado festivo através de fotos ou vídeos em geral agudizam dores adormecidas, pela sacudida emocional resultante do contraste entre o que ele foi e o que deixou de ser.
Na morte tradicional, ao contrário da parcelada, a reconstrução da vida dos remanescentes, ainda que consumidos de dor e saudade, avança com a elaboração do luto, indispensável na preservação da naturalidade da morte.
Uma amiga, incansável no cuidado da mãe, incomunicável há 18 meses, me confidenciou:
"Eu morro de saudade da mãe que tive, e de pena de mim, por não ter ao menos com quem dividir a tristeza de perceber, todos os dias, uma fração dessa morte que dói como se fosse, mas não se completa".
Quem considerar desamor qualquer parte dessa confissão não entende nada de que morte estamos falando, e nem imagina o quanto sobra de amor depois do luto.