"Solidão: um lugar bom de visitar uma vez ou outra, mas ruim de adotar como morada." (Josh Billings)
Quando uma pesquisa clínica mostra que 70% das consultas de um ambulatório de convênios não envolviam doenças orgânicas, fica claro que estamos vivendo uma epidemia diferente dessas que se previne com vacinas e cuidados gerais de boa higiene e alimentação balanceada. Nada disso. Estamos diante de um fenômeno nosológico de identificação etiológica complexa, e que não se pode explicar pelas mazelas da pobreza convencional, porque, afinal, em se tratando de uma população que conseguia pagar os planos de saúde, a inadimplência corriqueira estava excluída.
As primeiras pistas ficaram evidentes quando se percebeu que havia uma tendência dos pacientes de agendar antecipadamente tantas reconsultas quanto cada convênio permitisse por mês, por semestre, ou por ano. A necessidade de assegurar que outras e outras vezes teriam quem os ouvisse, a demora em elaborar as queixas, a imprecisão dos sintomas e a multiplicidade das dores eliminavam todas as dúvidas: solidão era o nome da praga. A tristeza no olhar, a escassez do sorriso e o desleixo no vestir são sinais sugestivos de desesperança e abandono. Outra marca característica é a ânsia de afeto que transforma qualquer gesto de carinho, como um simples abraço, em declaração de amor, aos olhos do mal-amado.
A longevidade que festejamos tem um grave efeito colateral: a perda dos amigos.
Vendo-os acomodados no salão da clínica, em silêncio submisso, incapazes de reclamar dos maiores atrasos e exageradamente agradecidos quando são chamados, é inevitável perceber do quão pouco o solitário precisa para sentir-se acarinhado.
A sala de espera desse povo é silenciosa, refletindo o escasso interesse em compartilhar a tristeza que está espelhada no vizinho de bancada.
Um sentimento comum é de perda da motivação, que pode ser atribuída ao abandono da viuvez precoce, à humilhação do desemprego prolongado, ao fracasso das expectativas da prole ou à lassidão da aposentadoria extemporânea.
Por outro lado, a longevidade que festejamos sem precaução trouxe um dos seus mais desagradáveis efeitos secundários: a perda dos amigos. Por pura imprevidência nossa, esquecemos de firmar um pacto de sobrevivência mútua, e eles, que foram ficando pelo caminho, agora são lembrados como peças sem reposição.
Uma característica comum nesta legião é a disponibilidade de recursos materiais que satisfariam a maioria dos mortais, mas se contrapõe à ausência de quem, de fato, se importe com eles.
Quando o senhor simpático e afável anunciou, ao se despedir, que devia ser bom ter um amigo como eu, capaz de conversar sem pressa aparente, ficou evidente que a farmacologia moderna ainda não produziu um medicamento que possa atenuar o vazio da cumplicidade fraterna.
Que o consultório do clínico se transforme em um divã genérico é consequência da escassez de relações pessoais familiares ou comunitárias, sólidas e confiáveis, essas que, por serem especiais, não se consegue improvisar.
Mas uma sociedade só poderá se considerar minimamente desenvolvida se for capaz de prover utilidade a uma geração fadada a viver mais, mas que não teve o cuidado antecipado de decidir para quê.
Como paliativo, se pode oferecer qualquer tipo de voluntariado, apostando no efeito redentor de quem descobre que, por sua causa, a vida de alguém ficou melhor. Se nem isso der um sentido à velhice, estaremos diante de um caso perdido.