"Proteja a natureza, mas não espere que ela retribua." (placa remanescente numa ilha do Pacífico varrida por tsunami)
Durante uma catástrofe, sempre me impressionou o caráter absolutamente aleatório da seleção das vítimas, muitas vezes deixando naqueles que sobreviveram sem sequelas uma sensação subliminar de "culpa", especialmente porque a população mais atingida é, claramente, a que tem menos recursos para saltar obstáculos e recomeçar.
Quando a crise foi sanitária, a distribuição do sofrimento, ainda que mais equânime na origem, logo adiante restabeleceu o desequilíbrio, quando a boa condição econômica dos privilegiados permitiu socorro hospitalar em unidades de terapia intensiva mais sofisticadas, onde as mortes evitáveis puderam ser evitadas.
O tema da desigualdade se presta para todo tipo de discurso, seja ele solidário, assertivo, hipócrita ou demagógico.
Mas como o tema da desigualdade se presta para todo tipo de discurso, seja ele solidário, assertivo, hipócrita ou demagógico, vamos tratar de depurá-lo, eliminando o viés político, com o objetivo primordial de isenção.
No intuito de entender um pouco mais as razões do acontecido, surpreende a abundância do inexplicável, pois quase nada se encaixa quando se evocam as causas da catástrofe climática. E que foram, segundo os entendidos, terrivelmente negligenciadas, apesar de facilmente identificados pelos profetas do acontecido como fatores predisponentes. Claro que ninguém se deu ao trabalho de explicar por que um fenômeno idêntico ocorreu em 1941, quando nenhum dos tais agentes causais estava presente e a natureza ainda não tinha os ranços atuais de vingança. Naquele tempo em que a gente, com a inocência desprotegida, até considerava o ruído da chuva como um doce entorpecente dos céus.
A duras penas aprendemos que nem tudo o que acontece pode ser explicado pela ecologia. Verdade que nos tornamos mais prevenidos, dispondo de recursos técnicos mais sofisticados, que permitem, por exemplo, saber que em um determinado dia da semana próxima, entre 12h e 14h, vamos ter, finalmente, sol. O que, francamente, quase esquecemos do quanto era bom.
Treinado a cuidar de pessoas que sofrem, me limito a tentar entender de onde elas tiram tanta submissão. Persistem batalhando pela sobrevivência, mesmo depois de ter perdido a casa em setembro do ano passado, buscado força para reconstruir e mobiliar, e neste maio que não precisava ter existido ver outra vez tudo ser arrastado pela correnteza, levando de roldão tudo o que tinha comprado em prestações que terão que ser pagas duas vezes para continuar não tendo um cantinho para onde voltar. E ainda encontram motivação para acordar pela manhã na casa emprestada do familiar e sair para o trabalho, com a esperança, fantasiada de certeza, de que as coisas finalmente irão melhorar.