"Quando era criança, meu avô segurava a minha mão. Depois que envelheci, nunca mais soltei a mão dele." (Affonso Tarantino)
Verdade que, se conservássemos intactas a inocência e a ingenuidade das crianças, naufragaríamos no mundo hostil e competitivo que a idade madura nos reserva. Mas seria ótimo que, num mundo ideal, pudéssemos evitar essa "evolução" que, com o rótulo de maturidade, nos embrutece.
Por fantasia, as crianças têm pressa em se tornarem adultos, porque ignoram as maravilhas que deixarão pelo caminho. E os pais, que festejavam vê-los adolescentes responsáveis, logo descobrirão que a partir da conquista da autonomia pela prole toda a contribuição deles estará limitada à torcida silenciosa para que as crias deem certo e, por favor, não repitam todos os erros que cometemos.
Os relatos que se seguem poderão ser entendidos como uma exaltação à espécie humana, na sua condição mais pura, a infância.
Circulando por um abrigo da prefeitura, onde se acomodavam quase 200 flagelados da enchente, surpreendi um menino com um peixinho morto num copo d'água, que ele segurava com as duas mãozinhas de unhas sujas. O peixe, trazido pela enxurrada, tinha sido lavado da lama, e colocado num copo de água limpa. De quando em quando, ele cutucava o dorso do peixinho, na expectativa de que ele reagisse, e a falta de resposta explicava a tristeza do olhar quando ele perguntou: "A gente não pode soltar a mão da mãe, não é, tio?". Fiquei imaginando quantas vezes aquele pingo de gente ouviu essa recomendação desesperada enquanto eram resgatados da correnteza, na noite escura.
Um casal porto-alegrense, com a filha de quatro anos, abandonou o caos em que se transformou a cidade. Foram se refugiar no sossego da casa da praia. No segundo dia, impressionado com o silêncio que contrastava com o burburinho da cidade agitada pelo ruído frenético dos helicópteros e da sirene das ambulâncias, a garotinha comentou: "Acho que agora as pessoas pararam de morrer".
Mário Corso, que contou essa história com sua sensibilidade habitual, reforçou a importância de que os pais tenham tempo e sensibilidade para ouvir os filhos, porque senão eles construirão uma narrativa própria, com frequência pior do que a realidade. Nesta história, foi redentora a informação dos pais ao explicarem à filhota que o ruído na cidade, na verdade, significava que pessoas estavam sendo salvas. Com essa mensagem, o luto inevitável depois de qualquer perda se encerrará com a euforia do fim da catástrofe. E sem recaídas.
O menino, na solidão multiplicada pela orfandade, fantasiava que a morte era o único jeito de reencontrar o pai.
Em contraste, a persistência das fantasias ficou reverberando no Duda, um garotinho que, na fragilidade emocional de seus oito aninhos, viveu o horror da orfandade com a morte do pai num acidente, justo na idade em que o pai é o super-herói insubstituível. Tempos depois, caiu do telhado, fez um trauma abdominal severo, foi operado às pressas pelo doutor Octávio Vaz, um brilhante cirurgião carioca, e se recuperou rapidamente. Passou a ser acompanhado no ambulatório pelo cirurgião que se encantara com a inteligência luminosa escondida atrás daquela carinha linda. Numa dessas revisões, a mãe confessou ao doutor Octavio estar preocupada com a frequência com que o Duda vinha sofrendo acidentes de gravidades variáveis. Levantada a suspeita pela percepção de um médico sensível, o Duda foi encaminhado a uma psicóloga. E então, o distúrbio emocional, sequela torturante de um luto não resolvido, escancarou-se: o menino, na solidão multiplicada pela orfandade, fantasiava que a morte era o único jeito de reencontrar o pai.