Por conta da falta de água, um casal, com uma menina de quatro anos, foi para a praia. Ao chegar lá, a pequena deu-se conta do silêncio. Não escutava o barulho dos helicópteros, nem das sirenes que ouvia em Porto Alegre. Espontaneamente, falou aos pais: “Acho que agora as pessoas pararam de morrer”. Como é de uma família com o hábito da conversa, foi possível dizer-lhe que os ruídos perturbadores, na verdade, eram de gente sendo salva.
É claro que a menina, que brincava absorta durante os incidentes da enchente, sabia da gravidade, do risco. Mas, como vemos, escutar as crianças pode aliviá-las de fantasias que podem ser piores do que a realidade.
A criança não está tão preocupada com o mundo exterior, uma abstração que pouco entende, mas tem antenas para o que mais lhe interessa: seus pais. Se ela não tiver informação, ao ver seus adultos nervosos, criará sua própria teoria. Além disso, pode até imaginar - quando não se tem um fato público - ser ela o motivo do desgosto de seus pais.
Isolá-las, fingindo um mundo cor-de-rosa, não resolve. Pode parecer que se está protegendo seres frágeis, de males que não teriam condições de compreender. Mas, procedendo assim, apenas assinalamos à criança que o assunto é proibido. As crianças são obedientes, se percebem que não devem tocar em um assunto, ficarão a sós com suas conjecturas, que podem ser assustadoras.
A verdade é o melhor caminho. Claro, não é possível, nem necessário, falar toda a verdade. A arte de falar à criança consiste em achar as palavras certas, respeitando a idade, mas sempre devemos contar o que está acontecendo, o que nos aflige.
E quanto aos pequenos que foram vítimas da enchente? Duas possibilidades, a primeira refere-se aos que conseguem falar sobre o acontecido. A postura é de escutar, várias vezes, se for necessário. É preciso dar valor a cada versão particular. Só depois pensar em alguma forma de consolo e solidariedade.
Os que não conseguem falar são mais preocupantes, pois sentiram como um trauma mais duro. Aqui temos que esperar o momento para lhes ajudar a ter palavras sobre o que passaram. Sem uma narrativa, não se sai de um trauma. Tudo que não possui uma versão compartilhável será vivido como uma dor encapsulada, pronta para ser ativada por algum gatilho. Em vez de sofrer uma vez, sofrerão várias vezes.