Nascemos para acreditar. Com níveis variáveis de racionalidade, acreditamos literalmente em tudo. E nem passo perto das crenças religiosas porque sempre achei que os milagres estão além do limite e que, quando pretendemos racionalizá-los, ultrapassamos a linha estreita entre o crível e o irracional. Seja qual for a opção, nos envergonharemos por subestimar a inteligência alheia.
O primeiro exercício a ser assumido, e que nos definirá como seres construtivos ou parasitários, é a consciência da imperiosa elaboração de prioridades, que em algum momento da vida adulta teremos que definir e revelar. Só assim incutiremos nos outros a certeza de que poderemos ser identificados tanto pelos discursos quando pelas ações, porque em nós eles se sobrepõem.
A fidelidade a estes princípios é expressa pela previsibilidade e definirá, mais do que qualquer outra virtude, o nosso caráter, porque não há nenhuma evidência mais forte da falta dele do que gerar surpresa em cada nova atitude.
No mundo ideal, este é o critério de seleção de quem mereça liderar e que devia valer no momento crítico da escolha por quem tenha a responsabilidade de escolher.
É com essa marca que percorremos a vida, submissos à nossa índole na relação com colegas próximos, com as pessoas que nos procuram em busca de ajuda e, como não podia deixar de ser, com o mundo que nos rodeia e suas exigências, incongruências e inevitáveis hipocrisias.
O segundo exercício a ser assumido é a definição do nosso perfil político, que revelará em cada ação o quanto merecemos de respeito, qualquer que seja a nossa escolha ideológica. E este quesito tem o poder inigualável de revelar se somos confiáveis ou não.
No mundo ideal, este é o critério de seleção de quem mereça liderar e que devia valer no momento crítico da escolha por quem tenha a responsabilidade de escolher.
Neste sentido, a qualidade das ofertas políticas de sucessão é fundamental para que haja avanço verdadeiro de um clube, sociedade ou país. E mesmo os otimistas mais delirantes sabem que o horizonte vira um borrão quando se tem apenas a opção pelo menos ruim, porque ninguém levará a sério uma carta de intenções produzida neste ambiente de falsidade, oportunismo, mentira e corrupção.
A nossa história política, neste aspecto, infelizmente é desanimadora. Quem lê os Diários de Getúlio percebe que, passados mais de 70 anos, continuamos iguais em tolerância, resignação, mesquinhez, cobiça e submissão. E que em nome de interesses pessoais continuamos nos despojando de toda a dignidade para abraçar o que seja.
Senão, como proferir discursos escandalosamente opostos depois de apenas quatro anos, e em ambos aparentar a serenidade dos convictos?
Ou considerar razoável que alguém identificado historicamente com uma bandeira, de repente, sem encabular, agasalhe-se de outra cor só porque, por deslavada conveniência, teve um surto de nacionalismo?
Muitas dessas figuras apostam no esquecimento, porque afinal todos erramos, ainda que nem todos tenham a caradura de abraçar o desafeto recente e sorrir com a presumida certeza de que os outros esquecerão. E assim, despudorados, submetem-se a um pesadelo recorrente, em que antigos parceiros vem sacudir-lhes o sono para dizer-lhes que não.