"Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que o outro morra" (autor desconhecido)
Como era de se esperar, a minha ideia de velhice, por crescente proximidade com a causa, tem se modificado ao longo dos anos. Mas de qualquer maneira, aqueles dois senhores parceiros na intimidade e na surdez que dividiam espaço na fila do supermercado eram velhos há muito mais tempo. E devem ter envelhecido juntos, porque havia entre eles aquela cumplicidade dos confidentes que aprenderam a respeitar as pausas silenciosas do outro antes da enxurrada de queixas novas.
A despedida com o "não sei até quando vou aguentar" devia ter-se acompanhado, ao menos, de um toque solidário no ombro, mas o queixoso tinha acelerado o passo, e a mão nodosa do consolador, não alcançou.
Apostaria que a amargura da velhice expressa naquele desencanto ia assegurar que o papo continuaria no dia seguinte, e novas versões da velha tristeza seriam compartilhadas, comprovando que a capacidade humana de aguentar o sofrimento, se este puder ser fragmentado no dia a dia, é ilimitada. Fiquei pensando na infelicidade de envelhecer tendo que tolerar e quase certamente ser tolerado por alguém.
Nenhuma autoestima resiste à percepção de que, na falta de vínculo afetivo, só há a tolerância.
A tragédia pessoal de ser tolerado com grande frequência permeia as relações humanas, tanto pessoais, por ausência de reciprocidade afetiva, quanto profissionais, pela falta de encanto no que se faça.
Na medicina, a tolerância é o castigo mais comum destinado a quem não tem prazer em cuidar de ninguém e não consegue evitar que o outro perceba o quanto ele adoraria estar fazendo outra coisa. De antemão, este infeliz está desperdiçando uma das maiores maravilhas de ser médico: a alegria de ser escolhido por quem precise ser cuidado.
Muitas vezes, o paciente, por limitações do seu plano de saúde, também não tem liberdade de escolha, e se estabelece então a mais deprimente das relações pessoais, aquela regida pela tolerância bilateral e simétrica. E este sentimento é indisfarçável: o médico que tolera o paciente inevitavelmente perceberá que é tolerado por ele.
Nenhuma autoestima resiste à percepção de que, na relação vazia por falta de vínculo afetivo, não há mais do que tolerância. E o fato desta resignação ser mútua não ajuda nada, porque, tal qual o ódio e a vingança, a indiferença mais agride o odioso do que o odiado.
Todos reconhecem que, quando adoecemos, multiplicamos vulnerabilidade e carência, talvez até com mais intensidade do que outros, mas em todas as áreas da atividade humana encontramos tolerantes e tolerados, num revezamento degradante de amargura, transferência de culpa, agressividade, ódio e ressentimento.
A tolerância às circunstâncias desagradáveis amordaça o espírito, submetendo-o ao contínuo exercício da humilhação, que mutila sua vítima no plano individual e, quando transferido para o coletivo, é responsável pela mais degradante das tragédias sociais: a perda da capacidade de indignação. Sem esta válvula de escape, perde sentido toda a preocupação com o futuro, entorpecido pela náusea constante de que pior não pode ficar.
Que isto sirva de alerta aos redatores dos discursos políticos do futuro próximo: nossa tolerância acabou.