"Nada na vida é programável, somos maleáveis como o vento: ora brisa, ora furacão." (autor desconhecido)
Os comportamentos diante de ameaças objetivas de morte são surpreendentes e imprevisíveis. E provavelmente nenhuma doença é capaz de provocar reações tão inesperadas e, às vezes, incongruentes quanto o câncer.
A insistência das escolas anglo-saxônicas de entregar, de chofre, e sem nenhum filtro de utilidade toda a informação, por mais cruel que ela seja, é anunciada com uma intenção nobre (se fosse completamente verdadeira) de dar ao paciente a oportunidade de exercer o decantado livre arbítrio. O que é cinicamente omitido, por conveniência, é o quanto essa atitude resulta da pressão dos advogados das companhias de seguro profissional, que sistematicamente recomendam que compartilhar com o paciente todas as decisões é minimizar o risco de demandas judiciais se as coisas não derem certo no futuro.
Sendo diferentes como somos, estamos mais propensos a insanáveis atropelamentos emocionais se formos tratados como iguais.
O temor histórico e a fantasia atávica de morte, variáveis em cada indivíduo, são fortemente influenciados por fatores como idade, sofrimento físico, qualidade de vida, reciprocidade afetiva, prole carinhosa e sensação de missão cumprida. A presença dessas condições, ou a ausência delas, determina, em grande medida, como reagiremos. E mesmo que as diferenças culturais imponham reações disparatadas, existe a tendência de estabelecer-se normas de conduta no manejo desses pacientes, de modo a assegurar-lhes conforto, controle da ansiedade e confiança na equipe médica.
Nesse sentido, a uniformidade da linguagem no grupo que assiste a um paciente com doença grave é decisiva para que nada do que se diga ou sugira inverta a corrente de confiança que deve prevalecer entre quem cuida e quem, desesperadamente, necessita ser cuidado.
Os médicos mais experientes não cansam de reportar as reações mais paradoxais dos pacientes diante, por exemplo, de informações estatísticas, uma prática muito usada em centros internacionais de oncologia, por médicos insensíveis que ignoram que, para o paciente, entre o 0% e o 100% não existem valores intermediários.
Afora essa desumanidade, é curiosa e imprevisível a reação dos pacientes diante de números, que em geral mais assustam do que tranquilizam. Já consolei paciente desesperada com a informação de que tinha 70% de chance de sobrevida depois de uma cirurgia, e ela, ignorando que poucos projetos da nossa vida pessoal (incluindo o casamento, o mais festejado dos projetos falíveis) têm um percentual tão alto de sucesso, chorava copiosamente, aterrorizada com a ideia de que ela pudesse cair no bloco infeliz dos 30%.
No outro extremo, um homem jovem, portador de um tumor raro e agressivo, voltou de uma consulta com especialista americano, por quem soube que com a combinação de quimioterapia associada à moderna imunoterapia ele tinha uma chance de 8% de estar vivo ao fim de cinco anos. E me confessou que estava constrangido: "Porque andei choramingando por aí, imaginando que a minha chance era zero".
Lembro de um paciente extremamente perspicaz, que, percebendo o quanto o seu quadro era grave, desviava do assunto sempre que pressentia que íamos falar da sua doença. Uma mensagem explícita: "Na impossibilidade de boas notícias, evitemos as notícias".
A oncologia, mais do que outras especialidades médicas, ensina que a esperança deve ser preservada mesmo quando a expectativa do paciente parecer irracional. O médico, com sensibilidade, deve ser mais do que um técnico que sabe todas as cifras. Deve conservar-se empaticamente atento às necessidades individuais, porque, sendo diferentes como somos, estamos mais propensos a insanáveis atropelamentos emocionais se formos tratados como iguais, obedecendo a essas normas rígidas que, recomenda-se, sejam por ora armazenadas naquele espaço vazio que oxalá seja preenchido por um coração no computador do futuro.