A figura do pai tem um comportamento cíclico na nossa vida. Partindo da imagem estereotipada do super-herói que ocupou na infância, ele tende a perder força na adolescência, quando pensamos que sabemos tudo, para retomar o significado original, agora sem fantasia, na maturidade, ao descobrirmos o quanto ele já sabia e que demoramos tanto tempo para aprender.
O que nunca muda, e não interessa em que fase da vida estejamos, é o quanto precisamos dele. A história do menino que vamos chamar de Marcelo, contada pelo Octávio Vaz, um cirurgião da Academia Nacional de Medicina, que mistura como poucos a habilidade das mãos com a delicadeza dos sentimentos, encheu de emoção a tela do Zoom, porque reafirmou o quanto essa necessidade se perpetua no tempo e o que somos capazes de fazer para conservar a figura paterna como um escudo confiável.
Com oito aninhos e órfão pela perda recente do pai, Marcelo foi operado de um trauma grave resultante de uma queda de grande altura. Submetido a vários procedimentos cirúrgicos, conseguiu sobreviver graças aos cuidados extremados de uma equipe reconhecida pela excelência no Rio de Janeiro. A dedicação da mãe comoveu a todos, pela onipresença e pelo permanente senso de gratidão aos médicos, esses que se encantam com tarefa imensurável de resgatar a vida de uma criança. Quem tem experiência sabe o quanto, diante de um pequenino ameaçado, nos escalamos, espontaneamente, para assumirmos a função de pais ou avós adotivos, com um único objetivo: salvar o filhote.
E como vibramos quando conseguimos, ou nos consumimos quando fracassamos.
Passando os meses, mais de uma vez, o Marcelinho, agora crescendo com uma carinha bonita e um sorriso triste, foi admitido para tratar lesões de gravidades variáveis, resultantes de atitudes imprudentes e arriscadas.
Foi preciso uma avaliação do serviço de psicologia do hospital para descobrir que, por trás daquela sucessão de eventos aparentemente fortuitos, havia a intenção inconsciente de provocar a morte, e quem sabe testar o desejo que preenchia seu coraçãozinho solitário de, finalmente, reencontrar o pai.
Convencido de que era inútil esperar que o pai voltasse, tratou de buscar na fantasia inocente da infância um caminho que o colocasse mais perto daquela figura da qual nos tornamos dependentes ao nascer e, adiante, gastamos um tempo para entender, que ser pai é tomar posse como guardião incondicional dos medos, das esperanças e dos sonhos das nossas crias. Por mais que elas se sintam autônomas e autossuficientes.
A percepção dessa dependência acompanha-nos silenciosamente ao longo da vida, com algumas fisgadas mais agudas de saudade, quando, surpreendidos em alguma emboscada existencial, lamentamos a falta daquela voz plena de boa intenção, que adoraríamos conservar no painel como um aplicativo carinhoso a apontar o caminho.
Quem tem experiência sabe o quanto, diante de um pequenino ameaçado, nos escalamos para assumirmos a função de pais ou avós adotivos.
Algumas vezes, passando por encruzilhadas difíceis e ostentando uma autonomia que não combina com o medo que sentimos, fingimos que é mera curiosidade imaginar o que o nosso velho faria naquela situação.
E invariavelmente sabemos qual seria a resposta, sempre a coisa certa, e, muitas vezes, o caminho mais difícil. E finalmente nos damos conta de que foi exatamente pela dificuldade da decisão que buscamos ajuda no nosso mais generoso estoque de sabedoria.
E então, com a saudade cumprindo seu papel, sentimos sua presença e confirmamos que ele nunca tinha arredado pé.