“Educação é aquilo que fica depois que você esquece o que a escola ensinou”
Albert Einstein*
Quem abraçar a estimulante responsabilidade de transferir conhecimento aos mais jovens não pode esquecer que eles estão vivendo um momento complicado, premidos a tomar decisões e a fazer escolhas, mergulhados numa enxurrada de informações, mas ainda sem os filtros da sabedoria, esses que demoram a ser reconhecidos, no longo processo de adequação do que aprendemos com o caráter que possuímos. E, se não bastasse, tal turbilhão ainda está submetido ao tempo, esse senhor debochado, que aparentemente se diverte com a confusão que fazemos com nossas promessas, esperanças, certezas e desilusões.
Tendo feito do magistério uma das tarefas mais prazerosas da minha vida, posso assegurar que muito do alento para continuar quando era mais fácil desistir brotou do brilho daqueles olhos atentos, inquietos e ávidos de tudo.
Poder passar adiante as maiores lições aprendidas em mais de 45 anos de alta complexidade e perceber que as mensagens ficavam reverberando nos futuros encontros renovava cada vez e sempre o entusiasmo de ensinar essa maravilhosa profissão que, como o amor e a morte, não tolera o meio termo.
Mais desafiador é ser o veículo ético do conhecimento que cresce em ritmo acelerado, mas com a limitação das ciências biológicas que não seguem as trilhas seguras dos modelos matemáticos, porque se alimentam de recursos abstratos, como intuição, experiência e bom senso. Flavio Kanter comparou a atividade médica na busca do diagnóstico mais correto à tarefa dos detetives que, servindo-se do método indutivo/dedutivo, juntam as diferentes pistas para construir ou enfraquecer hipóteses.
Nem a chamada medicina baseada em evidências, considerada a maneira mais confiável de diagnosticar as doenças e estabelecer tratamentos com menor margem de erro, está livre de uma variável que liquida com todas as certezas: enquanto as doenças se repetem monotonamente, os doentes se revelam únicos na maneira original de adoecer. Por isso, muito cedo se aprende que ser médico é a arte de conviver com a incerteza sem transparecer insegurança. Afinal, os pacientes, assustados pelo medo da morte, confiam nas nossas certezas. E tantas vezes essa confiança é tudo e só o que podemos oferecer, na expectativa de que eles sublimem as dúvidas que não conseguimos disfarçar.
Ensinar estudantes de Medicina a transitar por esse terreno inseguro e movediço é um exercício de sabedoria e delicadeza que encanta a quem recebe e gratifica a quem oferece.
Com o passar dos anos fui percebendo que o interesse nas minhas aulas se concentrava no segmento final, quando sistematicamente discuto situações objetivas da relação médico-paciente, exaltando a importância de que sejamos tecnicamente os mais qualificados que consigamos, sem jamais esquecer que entre dois profissionais igualmente treinados sempre prevalecerá o que seja mais afetivo. Nesta altura, assumo que minha alegria de viver – e foi tamanha – se alimentou da sensação de que muitos acreditaram.
Ser médico é a arte de conviver com a incerteza sem transparecer insegurança.
Sem perceber o tempo passar, porque quanto mais prazerosa mais veloz a vida é, já ouço os arautos da burocracia a tocar as suas trombetas anunciando o fim do meu encanto de ensinar. Foi uma dádiva na minha vida. Claro que sabia que não ia durar para sempre, mas sempre quis que durasse. E vivi como se fosse.
Quando se aproxima o fantasma que tanto atormentou meus últimos tempos, o da aposentadoria compulsória, por coincidência ou generosidade, (não tive coragem de perguntar) fui agraciado com o convite para ser paraninfo da AD-2021, da minha muito amada UFCSPA.
Foi minha quinta experiência, que me emocionou como se fosse a primeira. Talvez pela certeza de que será a última.
Posso não ter ensinado ninguém a ser feliz, mas de tanto tentar, consegui ser.
*A internet diz que essa frase é de Einstein. Não confio em quase nada do que a internet afirma, mas gostaria que fosse, porque daria todo o sentido a esta crônica.