Num questionário envolvendo a pergunta "Você gostaria de viver mais?", se excluídos os depressivos, o SIM ganharia de lavada.
É sabido que a estimativa do número de anos que se espera que um indivíduo possa viver está diretamente associado às melhores condições de vida de seu país. E esta meta é perseguida com obstinação, por ser um dos critérios utilizados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para calcular o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de um determinado lugar. O acompanhamento desses índices mostrou que, entre 1950 e 2010, a expectativa de vida da população mundial aumentou, em média, 20 anos. No entanto, esse aumento ocorreu de forma desigual entre os países desenvolvidos, em desenvolvimento e as nações subdesenvolvidas.
Nos extremos dessa escala, estão o Japão (83,6 anos) e a Suazilândia, um minúsculo país entre Moçambique e África do Sul, com nível constrangedor de 42,4 anos. No Brasil, estamos com índices razoáveis de 76 anos, com as mulheres vivendo sempre mais (83 anos x 69 anos), o que em grande parte explica porque nunca se ouviu falar de excursão de viúvos. Em comparação com 1942, a expectativa de vida no Brasil aumentou 30,5 anos, e apenas entre 2010 e 2017, aumentou mais 2,1 anos.
A sensação permanente de que "eu não sirvo para mais nada" é devastadora para a autoestima.
Mas voltando ao tema: definido que vamos viver mais, parece primordial que nos preocupemos em viver melhor. E nesse quesito estamos em descompasso até com a nossa mãe natureza, para que se tenha noção do tamanho da encrenca que vem por aí.
Há um óbvio conflito quando se anuncia que dois de cada três indivíduos nascidos nesta década devem chegar aos três dígitos, ainda que nossos órgãos não tenham sido programados para uma jornada tão longa. Converse com seu esqueleto, incluindo cérebro, olhos, ouvidos, articulações, músculos, sexo, e diga se há exagero nessa afirmação.
De todas as preocupações com o futuro das populações mais longevas, a preservação da utilidade é a mais crítica. Os países mais desenvolvidos têm em comum a preocupação com a disponibilidade do mercado de trabalho para os idosos, entendido que essa é uma exigência fundamental para a manutenção do equilíbrio social, além de ser um pré-requisito para o modelo mais elementar de felicidade. A sensação permanente de que "eu não sirvo para mais nada" é devastadora para a autoestima, e sem ela assistimos à morte antecipada.
No convívio com meus queridos velhinhos, com os quais fui me identificando cada vez mais, primeiro por proximidade e depois por semelhança, tenho insistido com o que considero recomendações básicas:
— Não confunda o tempo livre da aposentadoria com inércia à espera da morte. Ocupe-se.
— Preserve o senso de humor e diga o que você pensa. Sem jamais ser agressivo, aproveite a maior tolerância às excentricidades dos velhos. E divirta-se.
— Não frequente reuniões de condomínio. Fuja das pessoas e circunstâncias que não deem prazer.
— Evite queixas ao telefone, porque elas só servem para escassear as chamadas futuras.
— Não fique repetindo "No meu tempo as coisas eram diferentes" só porque eram. Esse é o mantra de quem está escrevendo o obituário antes de morrer.
— Deixe como herança as alegrias pelas coisas que vocês fez. Ninguém precisa saber das que você lamenta não ter conseguido. A saudade que vai restar é pura construção. Construa-a.