Todo mundo, excluídos os pusilânimes, aspira à excelência. E sempre que falo disso para profissionais iniciantes, insisto que nós podemos não conseguir ser os melhores no que fazemos, mas, dentro das nossas limitações e respeitados os nossos limites, temos, sim, a obrigação moral de tentar ser.
Pois o Sadi Schio serviu durante os seus 22 anos de profissão como modelo a muitos médicos jovens que pretenderam sair do batalhão dos conformados com o destino frouxo, este gueto de inércia sempre disponível para acomodar a fraqueza dos que culpam os astros pelo que não acontece na Terra.
Formado pela UFCSPA em 1999, mostrou desde logo que a voracidade de conhecimento e a intolerância com a mediocridade definiam um protótipo de insubordinação ao mediano, que sempre quer mais, mesmo quando o mais já pareça um exagero.
Convivemos na disciplina de cirurgia torácica e nos reencontramos na Santa Casa, 10 anos depois, ele super-recomendado pelos preceptores impactados pela sua inteligência luminosa e impressionante inquietude intelectual.
Muitas vezes, nesses anos de convívio, festejei a naturalidade com que ele abraçou o mantra responsável pela afirmação nacional de um programa de alta complexidade, sediado em um hospital com limitações econômicas de toda a ordem: é proibido desistir.
Há três meses, quando ficou evidente que a doença recidivara, comentei com ele, em conversas que só ele conseguia manter em animação total, que pretendia tocar adiante um projeto de livro que reunisse a nossa experiência de quase 700 casos de transplantes pulmonares, cerca de 50% de toda a experiência brasileira nessa área.
Quando o convoquei para escrever um capítulo sobre “Como fazer um transplante de pulmão dar certo a partir do pós-operatório imediato”, o olho brilhou como fazia tempo, e eu soube que aquele era um presente que ele já não esperava mais.
Na penúltima conversa, já escolhendo o tamanho das frases pela falta de ar, ele reuniu forças para lamentar: “Desculpe, professor, mas não vou conseguir deixar o capítulo que prometi”. E chorou. E choramos.
Com a morte rondando e a vida indiferente, uma paciente com pulmões destruídos pela covid-19 foi trazida do Interior com oxigenador artificial e mantida em lista de espera para um transplante improvável. Dezoito dias depois, com o Sadi morrendo do outro lado da parede, a Fátima recebeu seus pulmões novos e a esperança de voltar para a casa. O destino, irônico e debochado, mais uma vez se impôs, colocando vida e morte em caminhos paralelos.
Vamos precisar de um tempo para assimilar perdas e ganhos. A alegria da Fátima nos estimulará a continuar. Resta-nos administrar as perdas. Enquanto o Sadi era enterrado, fiquei pensando no que tinha sido a nossa maior perda: foi o parceiro que sempre sabia o que devíamos fazer, mesmo nas situações mais críticas. Então o que perdemos foi isso: a certeza.
Vamos ter que nos reinventar. E fragmentados com a certeza da falta que ele fará.