Era previsível que houvesse algum prejuízo para uma geração condicionada a viver no embalo da instantaneidade.
Esta forma acelerada de convívio, por quem ainda nem teve tempo e oportunidade de entender o que se perde com a pressa sem bagagem, induz os jovens a confundir informação com sabedoria e cria a sensação curiosa de que tudo o que é novo, sim, vale a pena, e que aqueles veteranos que aprenderam antes estão ultrapassados, porque nada mais é como pareceu àqueles olhos cansados de nostalgia. Por conta dessas mudanças, o mundo passou a ser chamado, convenientemente, de moderno. Sem nenhuma certeza que isso queira dizer, melhor.
Se você nasceu lá pela metade do século passado e cultivou com carinho suas preferências musicais e literárias, responderá com naturalidade à qualquer pesquisa que pretenda determinar seu ranking das obras memoráveis. E sem pensar muito, porque as lembranças que tocaram o fundo da alma dormem na ponta da língua.
Repita a experiência com uma galera jovem, e ela só lembrará das músicas deste semestre, o que convenhamos talvez seja uma sorte, por não desperdiçar córtex cerebral com aquela enxurrada de mau gosto.
Um dia desses, na espera por uma live, um grupo de estagiários quis saber o que eu consideraria valer a pena nas tardes frias e chuvosas dessa infindável quarentena. Estimulado pela curiosidade deles, assumi que colocar o celular no modo avião e durante duas horas me dedicar a reler os Funerais de Mamãe Grande de Gabriel García Márquez, e a ouvir a Aracy Balabanian recitando, como ninguém, textos de Clarice Lispector como Tentação ou Felicidade Clandestina (meu preferido) tinha sido o melhor de uma semana de emoções amordaçadas pelo confinamento. Ninguém comentou nada, o que é sempre ruim para um professor carente. Pior foi a intuição do que eles estavam pensando: mas que tipo esquisitão! Foi estranha a reação deles, como se introspecção fosse tempo desperdiçado.
Se essa superficialidade afetiva ficasse limitada à interação, por exemplo, com seus grupos de WhatsApp, tudo bem, os amigos são feitos também para suportar as nossas chatices, mas não, a ansiedade de ter tudo agora, e antes do que o colega, sem o tempo mínimo de elaboração e triagem do que é relevante, está comprometendo-lhes a capacidade cognitiva. A comprovação dessa sequela mental do mundo líquido, em que nada tem consistência nem durabilidade, se revela na incapacidade de redigir um texto que expresse algum sentimento ou emoção, e muito especialmente, na fugacidade e no descompromisso das relações amorosas.
Quando esse comportamento é transferido para a discussão do futuro profissional, e eu sempre provoco o assunto, porque tenho algumas premissas inarredáveis sobre construir uma carreira baseado no prazer de fazer o que se faça, seja lá o que for, lá está ela outra vez: a instantaneidade, como protagonista de todas as escolhas, muitas delas com exigências tão discrepantes, que revelam não haver nenhuma convicção, só pressa.
Mas é deprimente que a principal preocupação, aos 20 anos, seja o jeito de ficar famoso mais rapidamente, como se houvesse uma fórmula que dispensasse esforço, trabalho e persistência.
E penso na depressão que será a descoberta de que o sonho da instantaneidade milagrosa era uma fraude, por ignorar que a pressa de ir só tem sentido se antes for definido aonde se quer chegar. E com que gana.