Não por acaso, quando se quer ridicularizar a legislação, se diz jocosamente que determinadas leis só servem para punir os ladrões de galinha, quando se considera como delitos equivalentes o pão surrupiado pelo pai da família faminta e o desvio de verba da merenda escolar pelo político corrupto.
A maioria da população, que escapou da sociopatia genética e foi educada sob os preceitos do fazer o que é certo, ou mais rigoroso ainda, seguir a recomendação de Kant ("Tudo o que tiver dificuldade de explicar como fez, não faça!") se sente ultrajada com as discrepâncias legais, com normas para as quais se pode até alegar boa intenção, mas sem obscurecer a obviedade de que nem tudo o que é legal, é ético.
Com o caminho aberto para a canalhice, chegamos ao ponto de festejar a fortuna e a ascensão social de vigaristas habilidosos em arquitetar manobras espetaculares, capazes de colocá-los em patamares de admiração da população mais humilde, visivelmente cansada da humildade. Estamos exaustos da integridade sem recompensa ou assumimos que o lamentável das negociatas é não termos sido convidados, como já advertira o Millôr?
Quando surge um movimento de depuração coletiva, a reação inicial da canalhada, como se pode presumir, é de pânico. Isso foi observado, com entusiasmo, nos primeiros movimentos da Lava-Jato, e provocou na população geral a ingênua euforia de que agora vamos, e não haveria tapete que bastasse para cobrir tanta sujeita. Com a passagem do tempo, se percebeu que esse sentimento foi se esvaindo com a naturalidade com que os acusados, protegidos pelo biombo do foro privilegiado e por recursos, embargos e embargos dos embargos, negavam acusações completamente documentadas.
Quando ficou visível que mais importante do que ser condenado para o cumprimento de uma pena é saber quem está sendo sentenciado, o desânimo se multiplicou, chegando ao ápice quando se permitiu que alguém com prisão decretada atrasasse a apresentação no cárcere para proferir um discurso etílico/patético, conclamando o pobre povo que lidera a bloquear estradas e seguir com as invasões no campo e na cidade, tudo em seu nome, ou seja, com impunidade assegurada. Naquela tarde, respeito e dignidade foram ridicularizados.
Curiosos, aguardamos a manifestações dos nossos magistrados face a essa aberração jurídica e fomos surpreendidos com a notícia de que a única medida em andamento era a revisão das prisões em segunda instância, com óbvia intenção de abrir as portas da prisão. A mídia, que se omitiu de comentar a bizarrice desse episódio, reconheceu como louvável o envolvimento atual da sociedade, a ponto de muita gente saber o nome da maioria dos ministros, mas foi deprimente descobrir que os votos deles são previsíveis, porque a Suprema Corte parece partidarizada, o que quer dizer que a chamada interpretação da lei nada mais é do que a adequação dela à ideologia de cada um.
Desde sempre se repete que o reconhecimento que um país possa merecer na comunidade das nações depende do apreço que o povo tenha pelo seu sistema judiciário. E como respeito é irmão da confiança, nada poderia ter sido pior do que a morte do respeito. Que começou quando sentimos um impulso incontrolável de vaiar os juízes da nossa Suprema Corte. O discurso empoado dos nossos magistrados, envoltos em togas imponentes, não consegue ofuscar o sentimento de repúdio que brota no íntimo das pessoas mais humildes, que não têm conhecimento das artimanhas legais, mas conservam intacta no coração a noção mais elementar de justiça.