O episódio racista envolvendo o cantor Seu Jorge dias atrás, num show no clube Grêmio Náutico União, além de ser vergonhoso para a cidade, também mostra uma Porto Alegre racista e segregadora. Por outro lado, os movimentos e coletivos negros têm atuado de maneira rápida e contundente nos casos de preconceito racial. Além disso, há também uma carta aberta assinada por mais de cem sócios do clube repudiando o ato racista no show. Mas me pergunto: até quando a cidade de Porto Alegre seguirá com seu racismo estrutural?
No programa Fantástico de domingo passado (23), tivemos o depoimento de um ex-funcionário do Grêmio Náutico União que disse ter sido demitido por tentar implantar políticas antirracistas no clube e que os funcionários negros estão sempre em trabalhos subalternizados. No depoimento, o funcionário disse também que, ao sugerir que o clube colocasse fotos de crianças negras numa peça publicitária, teve a resposta de que o clube não estaria preparado para ter duas pessoas negras na capa de publicação. O que demonstra a ideologia do clube, que não considera pessoas pretas como possíveis clientes.
Além disso, as declarações do presidente do Grêmio Náutico União, Paulo Bing, num grupo de WhatsApp são inacreditáveis ao justificar o ato racista no show de Seu Jorge. Segundo Paulo, a reação do público veio depois de o músico ter feito um gesto político. Ora, por mais que o público branco, de classe média e talvez afinado com o discurso bolsonarista não concordasse com o artista (o que não é um problema), nada, repito, nada poderia justificar uma reação racista e grosseira como aquela. Além disso, o diretor ainda justifica dizendo que o cantor não estava vestido com roupas adequadas. As declarações são tão absurdas que nem parecem verdadeiras.
O episódio com Seu Jorge expôs justamente como o racismo estrutural age. Pois enquanto o músico negro estiver ali divertindo o público branco com músicas para o seu “entretenimento”, tudo bem. Mas basta colocar no repertório um discurso político que desagrade aos ouvidos conservadores para que a vaia reacionária e racista venha com força.
Ora, esse povo não acompanha a trajetória de Seu Jorge? Esqueceram que ele representou Marighella há pouco tempo no cinema? Que um homem negro chegar aonde ele chegou é porque há também nele uma consciência política e de raça? O público de Porto Alegre quis reduzir Seu Jorge a “burguesinha e suquinho de maçã”, mas acabou levando um discurso antirracista para casa. Obrigado, Seu Jorge.