Há duas histórias sobre paternidade na literatura que me tocam bastante: a peça Hamlet, de Shakespeare, e o conto A Terceira Margem do Rio, de João Guimarães Rosa. No primeiro, vemos um filho impelido pelo pai fantasma a vingá-lo por seu assassinato. No segundo, temos a jornada de um filho tentando encontrar sentido no abandono do pai quando ele, inexplicavelmente, decide ir morar no meio do rio. Em ambas as histórias, a ausência e a presença giram em torno da função paterna e de sua interferência na vida dos filhos.
A novela Pantanal chegou ao final trazendo novamente a discussão sobre a paternidade. Na história da teledramaturgia brasileira, o enredo de “teu pai, não é teu pai” ou “tua mãe, não é tua mãe” é bastante recorrente. A novela televisa, como sabemos, é um gênero popular e, de certo modo, acompanha as mudanças sociais de costumes ou, por vezes, reforça estereótipos.
O fato é que o assunto sobre a filiação passa a ser um dos principais motores dessas narrativas, o que demonstra a importância dessa discussão. Num país cujo milhares de famílias são geridas e sustentadas pela mãe e que as narrativas de abandono paterno são frequentes, é de se esperar que a ausência do pai seja um tema recorrente.
No último capítulo da novela Pantanal, o assunto voltou com força. O encontro tocante entre o Velho do Rio, interpretado por Osmar Prado, e Tadeu, vivido por José Loreto, propõe um tipo de paternidade possível e, até certo ponto, comum no Brasil. Tadeu, naquela conversa, foi convencido de que seu pai sempre foi Leôncio, interpretado por Marcos Palmeira. Uma paternidade sem vínculos sanguíneos. Um laço que foi sendo construído ao longo da vida.
A figura do Velho do Rio, ainda que mítica e que põe essa referência paterna num lugar divino, demonstra a capacidade que temos de estabelecer novas relações parentais sem que isso se torne um trauma. Talvez a frase “você é filho do amor”, dita pelo Velho do Rio a Tadeu, seja um modo honesto de reconstrução de sentido para aqueles que são adotados.
O encontro entre Leôncio e o Velho do Rio em Pantanal nos remete ao conto A Terceira Margem do Rio, entretanto, na novela, Leôncio assume o lugar do pai, ao entrar no rio, pegar suas vestimentas e, logo a seguir, vestí-las. Diferentemente do conto de Guimarães Rosa, cujo filho se recusa a tomar o lugar do pai. A questão é que a figura paterna segue sendo importante. No entanto, minha aposta é numa paternidade menos mítica, menos divina e mais pragmática e presente.