Uma apresentação do cantor Seu Jorge realizada na noite de sexta-feira (14), em Porto Alegre, resultou em relatos de atos racistas cometidos por parte da plateia presente no clube Grêmio Náutico União (GNU) contra o músico, que é negro.
Manifestações em redes sociais, confirmados por GZH com algumas pessoas que compareceram ao evento, indicam que Seu Jorge teria sido hostilizado com gritos de "uh, uh, uh", simulando o som feito por macacos, além de ter sido xingado com termos como "negro vagabundo" e "preguiçoso".
Por volta das 21h30min deste domingo (16), a direção do GNU divulgou nota sobre o caso. O texto assinado pelo presidente do clube, Paulo José Kolberg Bing, diz que está sendo realizada apuração interna. "Se for comprovada a prática de ato racista, os envolvidos serão responsabilizados. Afirmamos que o União, seguindo seu Estatuto e compromisso com associados e sociedade, repudia qualquer tipo de discriminação", diz a nota.
No texto, o GNU relata que "Seu Jorge foi o artista escolhido para realizar show com a presença de associados e não-associados do Clube, considerando sua representatividade na cultura nacional e pelo reconhecimento internacional, e destacamos nosso respeito ao profissional e ao seu trabalho". A assessoria do músico comunicou na tarde deste domingo (16) que ele não se manifestaria no momento sobre o caso.
A apresentação de Seu Jorge foi marcada para celebrar a reinauguração de um salão, acompanhada de um jantar no clube. Conforme uma empresária de 50 anos da Capital (ouça entrevista abaixo), que pede para não ser identificada por temer represálias, tudo corria bem no espetáculo até que o artista chamou ao palco Pedrinho da Serrinha, um prodígio do cavaquinho de 15 anos, e aproveitou o momento para ressaltar as dificuldades de ser jovem e negro no Brasil.
— Seu Jorge, que já tinha recitado um trecho da letra de Negro Drama (música do Racionais MC's), aproveitou a apresentação do adolescente para fazer referência à questão da maioridade penal, mas não fez defesa de nenhum candidato, foi um discurso antirracista apenas — conta a empresária.
Alguns relatos feitos em redes sociais dão conta de que, já neste momento, parte da plateia teria demonstrado irritação com o artista. A moradora da Capital ouvida por GZH, porém, conta que não testemunhou isso porque se encontrava em um ponto mais afastado do palco. A situação foi diferente no intervalo entre o final do show e o bis.
Neste momento, ela conta que ouviu parte da plateia começar a pedir "mais um", solicitando a volta do artista para mais músicas, mas, em seguida, outros gritos começaram a predominar.
— Primeiramente, achei que havia um grupo de pessoas vaiando. Até olhei para o meu marido, sem entender direito o que estava acontecendo. Em seguida, ficou nítido que um grupo grande de pessoas estava gritando "uh, uh, uh", imitando um macaco. Depois, ouvi ainda gritos de "negro", "vagabundo", "preguiçoso", entre outras coisas. Foi algo terrível, chocante — narra a empresária.
Ela confirma manifestações também relatadas em redes sociais de que foram ouvidos gritos de "mito", em uma possível referência ao candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL). Também nas redes sociais, houve quem dissesse que Seu Jorge teria feito um sinal de L com a mão, em referência ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante sua apresentação.
A empresária e um casal que também estava no show, consultados por GZH, afirmam não terem percebido qualquer manifestação de Seu Jorge em favor de um ou de outro candidato em qualquer momento. Esse casal, por intermédio de uma amiga, confirmou terem ocorrido ofensas racistas ao músico. Também com medo de represálias preferiu não conceder entrevista.
Ouça a entrevista da empresária ao programa Timeline:
Um advogado de 40 anos, que também pede anonimato, confirma que houve vaias ao artista e gritos de "mito". Mas ele diz que não percebeu nenhuma injúria racial.
— Estava com amigos em duas mesas próximas do palco. Houve, sim, vaias, como aquelas que se vê em estádio de futebol, e manifestações políticas. Mas não testemunhei nada racial em momento algum — afirma o advogado.
Ele diz ter visto Seu Jorge apontar o dedo indicador para o alto ao final da apresentação, antes de sair do palco, o que teria sido interpretado por alguns presentes como referência ao L de Lula. Por isso, segundo o advogado, teriam se repetido os gritos de "mito" pró-Bolsonaro.
Em vez de retornar ao palco com toda a banda para o bis, Seu Jorge voltou sozinho e se despediu da plateia com um apelo por mais amor e dizendo "fiquem bem". Depois disso, seguiu de volta para os bastidores, e o show terminou.
Leia a nota do GNU na íntegra
"O Grêmio Náutico União está apurando internamente os fatos ocorridos em evento realizado no dia 14 de outubro, durante apresentação do cantor Seu Jorge. Se for comprovada a prática de ato racista, os envolvidos serão responsabilizados. Afirmamos que o União, seguindo seu Estatuto e compromisso com associados e sociedade, repudia qualquer tipo de discriminação.
Ressaltamos que Seu Jorge foi o artista escolhido para realizar show com a presença de associados e não-associados do Clube, considerando sua representatividade na cultura nacional e pelo reconhecimento internacional, e destacamos nosso respeito ao profissional e ao seu trabalho.
Paulo José Kolberg Bing
Presidente
Grêmio Náutico União"