Desde muito criança, tenho o hábito de escrever em diários. Hoje, tenho cerca de 30 caderninhos com minhas anotações. Há de tudo neles: frases soltas, provérbios, reflexões sobre a sala de aula, ideias de romances, poemas inacabados, confissões impublicáveis, decepções e conquistas amorosas, impressões de viagens e todo tipo de registo dos meus afetos.
Quem escreve diários vai muito além de um mero registro. Um diário é uma biografia dos próprios sentimentos. Uma confissão a nós mesmos. Como uma necessidade de viver a vida duas vezes: uma pela experiência e outra pela escrita. Um diário recupera os rastros sentimentais de datas e dias fugazes. Porque a vida acontece sempre. Mesmo quando estamos num momento aparentemente monótono de um sábado qualquer, a vida continua acontecendo. A vida não para. Um diário sobrevive à própria morte. Alonga nossa existência e nos dá uma ideia mais clara do quanto existir é raro.
Meu filho, João, tem 12 anos e já compreendeu a importância de se manter um diário. João já sabe que a escrita é confissão. João fala pouco, é tímido e encontrou na escrita um jeito de conversar consigo mesmo. Na verdade, estamos sempre em conversa com nós mesmos, falamos sozinhos mentalmente a todo momento. O diário é uma companhia subjetiva, às vezes dura e implacável. Um diário aceita tudo: nossas fraquezas, nossas alegrias, nossos erros e tudo aquilo que nos constitui. Um diário não nos julga, por isso a sinceridade faz parte desse gênero.
Desde que me tornei escritor, passei a dar um caráter mais literário aos meus diários. Não que eu tenha a pretensão de publicá-los. Não acho que eles têm valor estético para tanto. Mas sinto que minha escrita íntima e confessional mudou. Escolho melhor as palavras. Talvez seja um modo de ver a vida. Pois mantenho-me em estado de poesia quando escrevo. Mesmo quando não faço literatura. Acho que meus diários são uma espécie de cemitério de palavras, porque raramente aproveito as ideias que estão ali em meus livros.
O diário é uma segunda vida. Uma possibilidade de registrar os rastros e os vestígios sentimentais. Toda vida é importante e por isso registrá-la com as próprias palavras confere dignidade à nossa jornada. Portanto, caro leitor: escreva diários, mas não deixe ninguém ler, a não ser que você queira.