Dizer frases como “Os próprios negros são racistas” ou “Os africanos também escravizaram africanos” ou, ainda, “Existiam sinhás pretas no tempo da escravidão”, sem contrapontos e contextos, além de relativizar o trágico movimento escravagista de séculos, demonstra perversidade, revelando uma sociedade que procura a todo momento justificar a escravidão negra com eventos pontuais e descontextualizados.
Afirmar que no período escravagista houve a ascensão social de mulheres negras, sem dizer que isso não era comum e que configuravam uma minoria, como escreveu o colunista Leandro Narloch, em um artigo nefasto na Folha de S.Paulo sobre “a riqueza das sinhás pretas”, é inaceitável. Aliás, o jornalista Thiago Amparo foi muito preciso ao dizer que “Narloch usa histórias individuais para mascarar a brutalidade do seu argumento: legitimar a escravidão ao relativizá-la”.
Uma coisa, como bem escreveu o escritor Itamar Vieira Junior, em seu último artigo, também na Folha, é “a escravidão antes do colonialismo, que era uma instituição social que servia para subalternizar derrotados em conflitos étnicos divergentes”. Outra coisa é o tráfico de escravizados em escala global, atendendo a um projeto colonialista de transformar milhares de vidas negras em meras mercadorias, um projeto que desumanizou corpos negros por séculos e que promoveu um dos maiores genocídios da modernidade. Portanto, dizer que “Os africanos também escravizaram” com o intuito de relativizar a escravidão é muito mais do que falta de honestidade intelectual, é racismo.
A verdade é que a escravidão no Brasil nunca foi resolvida. O legado de séculos do tráfico negreiro ainda traz consequências trágicas para a população negra. Mais do que isso, põe em xeque uma sociedade que se coloca como democrática, mas que faz vistas grossas para as desigualdades raciais. É preciso sempre repetir: não existe democracia com racismo. Ter que ler argumentos distorcidos que procuram desqualificar as lutas e os avanços contra o racismo em 2021 é desanimador, mas estamos atentos e firmes.