Os dois Tribunais de Justiça mais elevados do Brasil, o STF e o STJ, acabam de tomar duas decisões, quase simultâneas, que vão ao contrário uma da outra. É uma lição muito instrutiva sobre como funciona hoje a Justiça brasileira. De um lado, o STF proibiu a destruição das conversas gravadas por hackers ao invadirem os celulares do senador Sergio Moro e do ex-deputado Deltan Dallagnol durante a Operação Lava-Jato. Por que isso? As gravações constituem uma prova flagrantemente ilegal – foram obtidas de maneira criminosa, e pela lei não podem valer nada num processo penal.
De outro lado, e quase ao mesmo tempo, um ministro do STJ mandou soltar um líder do PCC em São Paulo, conhecido como “Batatinha”, alegando, justamente, que as provas contra ele tinham sido obtidas de forma irregular. De novo: por que isso? Acredite se quiser: segundo o ministro, o réu ficou “nervoso” quando viu passar um carro da polícia. Seu estado levou os policiais a desconfiarem de que poderia haver alguma coisa errada e fazerem uma revista; acharam dois quilos de cocaína. Segundo o magistrado, a polícia não tinha o direito de revistar o cidadão “Batatinha”; ele estar “nervoso” não justificaria a abordagem.
As duas decisões são um novo marco no direito internacional; nunca se viu nada parecido com isso. Como é possível que a Suprema Corte mantenha intactas provas que são publicamente ilícitas e, portanto, inválidas? Os ministros dizem que a sua destruição poderia “frustrar” a aplicação da justiça; seria preciso que o processo chegasse até o final. É um argumento particularmente infeliz. Se a prova era ilegal no começo do processo, ela continua ilegal no meio e no fim – ou vai se tornar legal com a passagem do tempo?
Os hackers cometeram um crime indiscutível ao invadir os celulares de Moro e Dallagnol, e isso anula qualquer valor legal das fitas. Não é uma simples irregularidade. É um crime punido pela lei brasileira, e esse crime continua sendo crime – na época em que foi cometido, no presente e no futuro. Já as provas contra “Batatinha” não valem porque ele ficou “nervoso” – ao ver a polícia, subiu com a moto na calçada, chamou atenção e acabou sendo revistado e preso por porte de drogas. É claro que ficou nervoso: estava carregando dois tijolos de cocaína. O que o ministro do STJ queria? Que ele ficasse calmo? Não está claro, também, o que Sua Excelência sugere que os policiais fizessem ao ver um indivíduo em atitude suspeita. Deveriam passar reto e ir embora? A Justiça brasileira, hoje, é isso. Para Moro e Dallagnol, a lei é uma. Para “Batatinha”, a lei é outra.