Poucas cenas são mais traumáticas do que crimes cometidos com transmissão ao vivo pela mídia. Assim foi no assassinato do então presidente norte-americano John Kennedy por um franco-atirador, em 1963. E assim aconteceu com o homicídio do deputado estadual Euclydes Kliemann (PSD), naquele mesmo ano, dentro de uma rádio em Santa Cruz do Sul, principal cidade do Vale do Rio Pardo, no Rio Grande do Sul.
Criado em Santa Cruz do Sul e até hoje morador do Vale do Rio Pardo, o jornalista Ricardo Düren não era nascido quando o deputado do PSD foi morto por um desafeto de partido adversário (o PTB), ao vivo e em cores, num estúdio da Rádio Santa Cruz, em 31 de agosto de 1963. Mas cresceu ouvindo a história e convivendo com pessoas que testemunharam a tragédia. Que na realidade eram duas: Kliemann tivera a esposa, a belíssima Margit, assassinada pouco mais de um ano antes, em Porto Alegre, num crime que permanecia envolto em mistério.
Repórter policial dos bons e escritor nas horas vagas, doutor em Letras e autor de dois outros livros policiais baseados em fatos reais (além de alguns infantis), Düren resolveu recontar os dois invernos que liquidaram com o casal Kliemann. O resultado é O Caso Kliemann e seus personagens misteriosos (249 páginas, editora Clube dos Autores), lançado em 2024, pouco mais de 60 anos após os dois assassinatos. O livro é fruto de 15 anos de pesquisa do autor.
O primeiro assassinato, a morte de Margit por um instrumento contundente (usado para trucidá-la quando estava em seu casarão em Porto Alegre), jamais foi esclarecido. Isso não impede que Düren mergulhe a fundo no caso, traga novas pistas e mostre falhas e mais falhas - da investigação, da mídia e dos políticos, que aproveitaram o episódio para tecer intrigas e acusar sem provas.
O principal suspeito para a Polícia Civil, na época, foi o próprio marido de Margit. Ele deparou com o corpo ensanguentado da mulher num final de tarde chuvosa. Familiares confirmaram a versão dele, mas sempre ficou a desconfiança, pois Kliemann tinha fama de temperamental. A cena do crime foi maculada por curiosos, sobretudo políticos que insistiam em passar pela barreira pericial que isolava o cadáver. Pisaram no sangue, mexeram nos objetos e praticamente liquidaram com qualquer possibilidade de validar provas científicas.
O crime era um prato cheio para a imprensa, que deitou e rolou, nem sempre com escrúpulos. O deputado era tratado como suspeito pela mídia adversária de seu partido (na época, os jornais eram abertamente identificados com correntes políticas). Surgiram personagens duvidosos, como a Dama de Vermelho e uma cartomante que seria confidente de Margit. Anos depois ficou claro que parte dessas histórias era inventada, mostra o autor do livro.
Ao longo da obra o leitor acompanha como são mencionados e descartados suspeitos do crime, sem elucidação. Aí acontece a segunda tragédia, essa com autoria mais do que conhecida: transmitida pelos microfones da Rádio Santa Cruz. A tensão ideológica no país era enorme, às vésperas do golpe de 1964. Kliemann, do PSD, era de centro-direita e se alinhava na corrente contrária ao presidente João Goulart e seu partido, o PTB. E fez um desafio aos oponentes políticos para um duelo radiofônico. Preferiu falar primeiro e depois saiu do estúdio, deixando o microfone para um desafeto, o vereador petebista Floriano Peixoto Kanan Menezes (de apelido Marechal, por ser homônimo do militar que presidiu o Brasil no século 19). No entusiasmo, Marechal não se conteve e definiu Kliemann como "um elemento que é...ou foi...suspeito no caso havido com sua esposa".
Kliemann retornou ao estúdio e levantou a mão, como se fosse atacar Marechal, que sacou um revólver e matou o deputado na hora. Crime transmitido pelas ondas da rádio, que em seguida saiu do ar.
Quer saber o desfecho? Uma dica é ler o livro. Düren entrevistou diversos personagens-chave das duas tragédias. O resultado é uma obra trepidante, embasada em pesquisa profunda.
A OBRA
O que: O Caso Kliemann e seus personagens misteriosos, 249 páginas, editora Clube dos Autores
Preço: R$ 90,84 (livro físico), por este link.