A primeira metade da década de 1990 avançava na Colômbia sob um banho de sangue. Dois cartéis do tráfico, de Medellín e Cali, disputavam a primazia de abastecer com cocaína os ricos mercados europeu e norte-americano. Na tentativa de evitar sua prisão, os narcos mandavam recados explícitos aos políticos, policiais e juízes: "Plata o plomo?" (dinheiro ou chumbo?), diziam as cartas deixadas na porta das casas, com um dólar ou um projétil.
Nenhuma novidade até aí para o leitor. O que ele talvez não saiba é como o governo colombiano conseguiu enfraquecer essas facções. O relato detalhado dessa guerra civil (uma das várias vividas na Colômbia) foi feito na noite de quarta-feira (13), em Pelotas, pelo general colombiano Óscar Naranjo. Ele é um dos palestrantes do Conexão de Experiências em Segurança Pública e Prevenção às Violências (Connex), encontro internacional que acontece na cidade do sul gaúcho até sexta-feira (15).
Hoje na reserva, Naranjo foi um dos responsáveis pelo enfrentamentos dos cartéis, 30 anos atrás, e das guerrilhas de esquerda, uma década após. Foi considerado o melhor policial do mundo, em título recebido em 2008. E chegou a ser vice-presidente da Colômbia (de 2016 a 2018, no governo de Juan Manuel Santos).
Hoje percorre o mundo para narrar a história recente de seu país. Dois momentos emocionaram o público em Pelotas. Um deles, quando ele relatou que recebeu uma coroa de flores fúnebres em sua casa, enviada pelo chefe do cartel de Medellín, Pablo Escobar. O militar redobrou a segurança e mandou familiares para o Exterior.
— O Escobar (morto por policiais em 1994) quis transformar a Colômbia num narcoestado. Para ficar livre, ofereceu inclusive pagar a dívida externa, de bilhões de dólares. Foi político, cooptou políticos, deu residências aos pobres mediante hipoteca de fidelidade total a ele... Mas cometeu o erro de atacar de forma terrorista o Estado quando foi desafiado. A sociedade colombiana, no que tinha de melhor, se uniu contra os cartéis e venceu, porque os que seguem a lei, quando agem juntos, não são derrotados — receitou Naranjo.
Na década seguinte foi a vez do governo enfrentar a guerrilha Farc, que inclusive dispunha de um território próprio dentro da Colômbia. Naranjo, mais uma vez, foi peça decisiva. Foram anos de negociações, mescladas com capturas e mortes de lideranças guerrilheiras. A paz foi assinada em 2016 e logo depois ele se tornou vice-presidente colombiano.
— As Farc haviam se convertido em uma máquina do terror, que era intocável. Faziam sequestros, atentados, assassinatos. Mas depois de neutralizarmos o chefe da guerrilha, demos início à mediação da paz através do diálogo. Apesar das críticas dos que só acreditam em violência — descreveu.
Segundo o general, a Colômbia teve 1 milhão de assassinatos em 60 anos de guerras patrocinadas por narcotraficantes e guerrilhas.
Naranjo, para surpresa de muitos que o assistiram, não defende extermínio de criminosos. Longe disso. Ressaltou que sangue traz sangue e lembrou que o governo colombiano levou três décadas com ações de políticas públicas (e dinheiro norte-americano, que ele não mencionou) para dar ocupação aos jovens. Construir melhorias arquitetônicas e de transporte. Iluminar as praças e todos os locais públicos. Ocupar a juventude com esportes. E, via negociação, pacificar territórios que antes eram palco de vinganças entre criminosos e guerrilheiros. Ele disse que Pelotas parece estar seguindo caminho semelhante ao das principais cidades colombianas, com redução de mais de 30% nos homicídios.
— Na América Latina contribuímos com 36% dos homicídios do planeta. Quando vocês, como nós na Colômbia, conseguem reduzir isso com mediação, trabalho integrado, diálogo e políticas públicas, isso merece ser olhado com muita atenção pelo resto do mundo — encerrou o general, sob aplausos da plateia concentrada no Theatro Guarany, em Pelotas.