Conversei com diversos delegados da Polícia Civil gaúcha na manhã desta segunda-feira (30). Todos repetiram, como num mantra: vão aderir ao boicote de notícias sobre as operações contra o crime, que eles mesmos realizam. É uma cartada arriscada, mas que eles enxergam como forma legítima de pressão para protestar contra o que consideram falta de diálogo do governo estadual com a categoria, no que diz respeito a carga de trabalho e reajustes salariais.
A decisão de interromper o fluxo de entrevistas e detalhes divulgados à imprensa sobre operações policiais (inclusive o número de prisões) foi tomada em assembleia realizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Rio Grande do Sul (Asdep) na sexta-feira (27). O presidente da entidade, delegado Guilherme Wondracek, diz que o governador Eduardo Leite divulga rotineiramente os resultados da segurança pública como forma de publicidade, mas não recebe a categoria para negociar reajuste salarial. Para protestar contra a falta de diálogo, a Asdep optou por represar as informações.
— Desde julho, quando assumi a presidência da Asdep, foram enviados três ofícios solicitando audiência com o governo do Rio Grande do Sul para tratar do reajuste. Todos ficaram sem resposta — assegura Wondracek.
A Chefia de Polícia diz que está aberta ao diálogo. Inclusive teria reunião com diretores da corporação nesta segunda-feira (30), para discutir a posição relativa às notícias. Informa ainda que vai continuar abastecendo a mídia com informações sobre crimes e os trabalhos para reprimi-los.
Os delegados com quem falei, desde a base até a cúpula da Polícia Civil, afirmam que vão respeitar a decisão da assembleia da Asdep. Consideram que o descumprimento da medida pode resultar em represálias pelo conselho de ética da entidade. No fundo, concordam com o método escolhido. Não é radical como uma greve e atinge o governo estadual num ponto vital, a publicidade em torno dos bons resultados obtidos ao longo da década contra o crime organizado. Sabem que o governador Eduardo Leite é cotado para candidatura à Presidência da República e jogam com isso.
Existem dois efeitos colaterais negativos nessa decisão dos delegados e eles sabem disso. O primeiro é que eles próprios sofrerão impacto na imagem. Lembre, leitor, que segurança é, antes de tudo, sensação. Caso a população não saiba o que é feito contra o crime, diminuirá a confiança que tem nos policiais — até porque a maioria não vê as ações da polícia, sabe dela pelos meios de comunicação.
O segundo ponto é que chefias que aderirem ao boicote ou permitirem ele correm o risco de perder seus cargos de confiança na Polícia Civil. Esperamos todos que não chegue a esse ponto o racha entre governo e delegados. Que sentem para negociar. Bom para os policiais, bom para a sociedade.