André do Rap, um dos mais notórios líderes da maior facção criminosa brasileira, o PCC, foi solto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello porque a prisão preventiva do criminoso durou mais que os 90 dias previstos na nova Lei Anticrime. Está certo o ministro, errou a lei ou ambos? Vamos por partes.
O espírito que embasou esse trecho da lei é claro: evitar prisões injustas, que o sujeito (até um inocente) fique mofando à espera de Justiça, a respeito da qual um velho e sábio ditado diz: “Tarda mas não falha”. Só que, nesse caso, tudo indica que falhou. Quem elaborou o artigo em questão pensou em evitar erro judiciário, mas com relação a André do Rap parece que isso está longe de questão. Ele não só é filiado juramentado e líder do PCC (isso está em depoimentos e documentos apreendidos com a facção), como foi responsável direto pela exportação de quatro toneladas de cocaína para a Europa. Isso está em processos judiciais. Mais: ele também ficou quatro anos foragido da Justiça.
Aí foi pego pela polícia e ficou em prisão preventiva. Até esbarrar com a boa vontade do ministro do STF, que o soltou porque o prazo da preventiva estava longo.
— Não olho capa de processo ao decidir — justificou Marco Aurélio, com orgulho, ao dizer que não repara no nome do beneficiado por sua decisão, apenas se será feita justiça ou não.
Arrisco dizer que não será feita justiça, ministro. Como era de se esperar por sua biografia, André do Rap aproveitou da magnanimidade de Marco Aurélio para ganhar o mundo. Sumiu. Escafedeu-se. Policiais acreditam que está no Paraguai, rearticulando contatos. E agora?
Não são raras decisões como a de Marco Aurélio. Durante a pandemia, por exemplo, pelo menos três líderes de facções gaúchas, envolvidos em homicídios, foram soltos sob argumento de que corriam risco de contrair coronavírus na prisão. Ouvimos dois promotores que lidam com presídios e dois advogados de facções gaúchas e eles não recordam de caso parecido com o de André no Rio Grande do Sul. Mas, com argumentos de risco de doença, sim.
Como diz o maior especialista em PCC no país, o promotor paulista Lincoln Gakiya, a questão é de razoabilidade. É razoável que soltem um líder criminoso porque o prazo de preventiva está longo ou porque há risco de contrair um vírus na prisão? Quantos podem alegar que há demora na análise de seus processos? Quer dizer que basta alegar doença crônica ou demora para apreciar meu caso que serei solto, mesmo se trafiquei toneladas ou matei alguém? Até pode ser legal libertar alguém com esses argumentos, mas duvido que seja legítimo ou que a comunidade entenda que ele está melhor solto.