Marco Aurélio Mello, venerando ministro do STF, mandou soltar um dos bandidos mais perigosos do mundo, André do Rap, homem rico, chefe do PCC, responsável pela intrincada tarefa de exportação de drogas para a Europa. O país inteiro ficou chocado com a decisão do magistrado, mas Mello alegou que a lei brasileira assim o determina. E ele está certo. No afã de destruir a Lava-Jato, os políticos brasileiros colocaram essa e outras liberalidades na legislação. Agora, endinheirados e poderosos têm garantidos os seus direitos individuais de burlar a lei sem ser incomodados.
Algum incauto poderia argumentar que talvez o egrégio ministro devesse levar em conta não apenas a letra fria da lei, mas também a periculosidade do réu, a gravidade dos crimes cometidos, a ameaça que representa à sociedade e a possibilidade de ele fugir do país, como, aliás, acabou acontecendo. Esse mesmo alguém poderia dizer, ainda, que o mais sensato seria o juiz alertar as autoridades de segurança pública de que, se não fossem tomadas determinadas medidas, o acusado ganharia liberdade.
O incauto poderia fazer essa argumentação e, de fato, se tais premissas fossem atendidas não haveria apenas o cumprimento da lei; haveria justiça. No entanto, juízes como Marco Aurélio Mello acreditam que a regra é mais importante do que o homem que fez a regra. Uma vez estabelecida a norma, é preciso cumpri-la, mesmo que isso faça mal à sociedade. Mesmo que seja flagrantemente errado.
Não posso dizer que concordo com essa visão tecnicista da lei, mas diviso aí boas possibilidades, sobretudo econômicas. Porque, sendo assim, nós, cidadãos, poderíamos extinguir o Judiciário e toda a estrutura que o sustenta. Bastaria botar computadores para julgar, e os casos seriam resolvidos com máxima rapidez e eficiência, além de baixíssimo custo.
Funcionaria assim: os advogados de acusação e defesa poriam suas teses no sistema, com documentos, depoimentos de testemunhas etc, o computador faria a confrontação eletrônica e, em 30 segundos, prolataria a sentença. Um exemplo de Justiça veloz e imparcial que espantaria o mundo.
É mais ou menos como o VAR no futebol. O VAR tornou supérflua a função do auxiliar de arbitragem. Hoje, quando vejo aqueles caras de calção à margem do campo, com uma bandeira na mão, me dá até certa nostalgia. Fico com compaixão deles, porque eles já foram extintos, e não sabem. Ou sabem, mas resistem com denodo. Eles ficam em posição de sentido, como se fossem militares, e se apresentam com três sobrenomes: Luis Antônio Castro de Lima e Silva, coisas assim. Com isso, querem passar a ideia de seriedade e isenção, a ideia de que, para eles, o regimento está acima da paixão. Só que, para isso, temos o VAR. O VAR os tornou inúteis. Eles, hoje, são os pássaros dodôs, os tigres de dente de sabre do futebol. Em breve serão só lembranças de um tempo remoto e romântico. Da mesma forma, os juízes técnicos como Marco Aurélio Mello. Se um juiz se propõe a interpretar a lei com a imparcialidade, o distanciamento e a frieza de uma máquina, melhor colocar logo uma máquina para fazer o trabalho. Darwin já sabia. Ninguém pode deter a evolução das espécies.